quarta-feira, 13 de maio de 2009

digressão matinal

Sobre a mesa do computador estavam as duas xícaras borradas de um café já tomado. Não tinha certeza se estavam ali desde ontem ou há semanas, e tampouco se lembrava se tomara as duas ou se o fizera acompanhada, a certeza era uma só: naquele momento estava sozinha. Voltava a se sentir fria e a paisagem era cinzenta de novo. Era o resultado final de outrora, agora se repetindo pela milésima vez.
Tentou extrair dos seus sonhos, que já não sabia se eram sonhos realmente, alguma força capaz de induzi-la ao próximo passo, mas a perna da motivação se tornara manca de tanto esperar por nada. Decidiu que seria bom tomar um banho, para lavar a cara amassada e a alma coberta de lama, num cubículo compartilhado no corredor e que alguém, ironicamente, chamava de banheiro.
Percebendo o recado que o destino lhe mandava, levou aquele corpo e a dona que o habitava para a rua que, mesmo gelada, era melhor do que aquele jardim de inverno solitário. Saiu em busca de esperança, mas a sua jornada exaustiva só lhe rendeu festas de cinismo, abraços de má vontade, sorrisos amarelos de babaquice e dentes mal lavados. A verdade no fundo estava longe da podridão da superfície. E os círculos fechados eram os mesmos e fediam como sempre. Nada era o que via e o que via não era: a vidinha aparente seguia as suas curvas sinuosas de humor banal onde arrancaram dentes na boca da vergonha.
Caminhava na tentativa de se lembrar quem fora quando um choque de coincidência bateu na sua cara. A imensidão perdia-se de vista e o seu queixo caía na incompreensão dos sentidos. Desde aquela altura que não parava de descer escadas na vida, ela descera tanto que em dois tempos passara do tudo ao nada. Já nem nome tinha, pelo menos não se lembrava ou não queria se lembrar...

Às vezes a tensão de um sorriso forjado é tanta, que os palhaços flamejam de amargura e por dentro se corroem de horror.
Essa capa inunda os espaços em que nos movemos e estampam porcamente as fotografias em que todos sorriem, como
as de uma revista de fofoca.
Podem estar com milhões de problemas, mal pagos e fodidos, mas naquele segundo de flash ninguém quer ficar mal, por isso vivem de esboçar sorrisos em tons de felicidade inventada...

sábado, 9 de maio de 2009

rio de janeiro

A minha vida sempre se pautou por baixos e baixos, facilmente perceptíveis quando se repara no meu caminhar desengonçado e vacilante, na postura curva decorrente do peso de tantos fardos ou até mesmo pelas queixas frequentes de dor, a cabeça constantemente mazelada, como se a consciência exercesse uma força poderosa contra meu crânio, numa espécie de manifestação pela desobediência excessiva do corpo e que, também por isso, a deixa sempre em débito com alguma coisa.
Mas esta quinta-feira foi um dia diferente dos dias habituais, não havia peso, não havia tédio, arrependimentos ou sequer cansaço e toda a cidade se revelava em novidades. Eu estava bem e me sentia melhor ainda porque sabia que estava entre os meus. O pretexto do Oasis, coberto com uma manta de expectativas coloridas - supridas, aliás -, se transfigurou em muita cerveja, muita caipirinha, nascer do sol, Bebel Gilberto, estranhos, porre matinal, sacadas geniais, gargalhadas e fotos de celular.
Por onde andamos, olhamos e também fomos olhados. Estávamos cheios da nossa parceria e espantosa cumplicidade e a Avenida não era grande o suficiente para comportar ou ignorar o nosso contentamento. Apertados pela maldita circunstância do tempo, seguimos o trajeto de ida mas carregado de pena da volta.
Distante daqui fui um mundo todo e o mundo todo me sorriu, e eu sorri de volta exprimindo afinidade e, mesmo dentro da palidez desanimadora em que consiste a efemeridade destes momentos, pude eternizar um pequeno trecho de vida e um pequeno traço de humanidade no meu coração e nos corações de pessoas que possivelmente nunca mais irei ver.
Fui tudo, sendo nada, fiz da puta da vida, esta incógnita muitas vezes tão amarga, um pedacinho doce e suave na lembrança. E me apaixonei. Apaixonei-me por tudo isso como se fosse por alguém físico, sorrindo um sorriso luminoso que pareceu uma vela clareando um porão escuro. E não querendo ser egoísta na minha felicidade, ainda que breve, ainda que pouca, ainda que passageira, resolvi que deveria compartilhar este pedaço de bolo de alegria.
Pensando bem, não havia meios para ser diferente... eu estava em ótima companhia!

terça-feira, 5 de maio de 2009

colisão de egos, feitios etc

Há quem pense muito. Eu, por exemplo, penso demais sobre coisas demais em tempo de menos. E neste pensar desenfreado acabamos atravessando o trajeto de idéias frontais de outras pessoas que, ainda, não cogitávamos saber que existiam.
E assim como em qualquer encontro de convicções, há a inevitabilidade de um acidente, porque existe um limiar conflitante entre o pensar de cada um, onde persiste esta vontade de provar um ponto de vista, aliada ao inchaço de autoconfiança e à egoísta ilusão de que se é detentor absoluto da razão.
São como dois automóveis seguindo em sentidos contrários em uma pista de mão única e que estão prestes a colidir. Ouvem-se estrondos provenientes destes duelos de titãs. E depois do choque violento, há de se contabilizar as perdas - mortos, feridos, orgulhos -, e limpar a sujeira que ficou pelo caminho.
São estes os acidentes trágicos das situações familiares, dos mal-entendidos e das relações que já não conseguem se sustentar. E como numa morte qualquer, a única certeza que nos resta é de que aquele encontro não tornará acontecer...

domingo, 3 de maio de 2009

sobre sentir medo

Engraçado como eu estou sempre com medo. É aquele pavor indizível de possibilidades remotas e absurdas, teorizando e relativizando e fugindo de coisas que, intimamente, eu sei que nunca irão acontecer. Sudorese. Calafrios. Iminência de desmaios, infartos e aneurismas. Tudo por sentir medo e nada além. Sou uma covarde - sempre o fui, não nego -, e desde quando a vida começou para mim, as lembranças de que mais me envergonho são aquelas em que não fui capaz de mover um fio de cabelo porque tive receio do fracasso, não quis vacilar feio, tomar no cu com força e ficar por aí para sacudir a poeira e dar a volta por cima. Tive medo de fracassar na maioria das vezes, especialmente diante dos olhos alheios.
Aliás, os olhos alheios sempre foram para mim como aqueles monstros vindos diretamente de um livro de histórias horripilantes, deformados, absurdamente maus e tão frios que assustariam até o mais desumano dos humanos. Os olhos alheios são assim mesmo: eles te despem vorazmente com a fome de um estuprador, te fodem com a veemência de um ator de filme pornô e são tão sádicos quanto um serial killer, porque quanto mais você esperneia, reluta, grita e resiste, maior é o prazer que sentem. Eles te expõem a uma situação degradante insuportável e a única coisa que lateja nas idéias é a vontade de sumir, um querer tão profundo que rasga a pele e dilacera a alma como se mil espadas estivessem atravessando o corpo simultaneamente, mas a impotência diante da circunstância te impede de fazer qualquer coisa porque te acondicionaram em uma camisa de força tamanho P infantil.
E bem amigos, a minha situação é um pouco mais complicada, vejam, eu não ando muito em forma, tenho gordurinhas localizadas estrategicamente e preciso me depilar. Portanto, ser fodida com uma platéia observando é a última coisa que tenho em mente. Talvez depois de uma dieta rigorosa, depois de abandonar a vida boêmia, depois de me depilar, depois de fazer escova progressiva, depois que estiver com a alma limpa e a consciência absolvida das culpas, depois que tiver minha dignidade reavida... talvez depois de tudo isto feito eu fique animadinha e tope fazer uma orgia homérica em praça pública, digna de um memorando louvável nos Anais da Foda.
Mas é somente um "talvez", seus bostas. Não há nada prometido.