quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

há de chegar o dia

Há de chegar o dia em que o brasileiro deixará de viver fora de si e passará a aceitar a si, tendo a consciência, embora desoladora, de que, outrora, levara uma vida inútil repleta de ações inúteis e mecânicas, de que esboçara emoções inúteis e mecânicas, de que cumprira ordens inúteis e mecânicas, de que dissera palavras inúteis e mecânicas, de que existira de maneira inútil e mecânica.
Depois do último retumbar da ignorância coletiva, dar-se-á início, antes que propriamente chegue, o primeiro vislumbre de clarividência ideológica, como quando se está num cômodo escuro, abre-se a janela e, no entanto, as vistas precisem se acostumar à luz. Antes mesmo de que a intenção coletiva de mudança floresça, será apenas a semente, antes da semente, a polinização e, antes da polinização, a idéia.
A chegada deste dia será anunciada pelo sentimento de vazio do que não é vazio, com um quê de penumbra, análogo a um objeto que ofusca parcialmente a fonte de iluminação. Tomarão o conjunto universal de todas coisas e, dentro dele, identificarão o estorvo enfastiante de que ele é capaz de provocar em cada um de nós, não só pela necessidade de esforços diários que exige, mas por estes esforços repetidos conduzirem a lugar nenhum. No entanto, nada do que antes tivera sido seria abandonado ainda, seria tal qual um livro não finalizado ou um quadro que não se terminou de pintar, haveria, pois, qualquer coisa de incompleto ali.
Virá, por fim, este dia em que um vento furioso varrerá a moléstia viral que assola e tudo estará finalmente morto e àquele inferno, a que chamava de vida, igualmente. Todavia, como todas as coisas têm o seu revés e porque há males que vêm para o bem, o tufão que, primeiramente, destruíra, servira para espalhar o pólen também.
E quando soar apenas o chiado da brisa movimentando as folhas secas, toda a terra voltará a tomar cor e tudo que se sente, ou supõe que se sente, se apertará ao peito numa saudade longínqua da própria despedida, fazendo querer respirar a nova vida.
Há de chegar o dia...