terça-feira, 22 de maio de 2012

sou muito escrota mas vocês são vergonhosamente covardes

(Ilustração: Claudim Melo)


Sobre a minha evidente deficiência emocional já procurei explicações até na astrologia, capricorniana, você sabe como é... o fato é que eu tenho um problema sério para exprimir sentimentos. Perdi a conta de quantas vezes quis dizer um mísero te adoro mas não passei de um olhar indulgente e ninguém que o tenha recebido entendeu o que eu pretendia com ele. Devolveram-me um olhar frustrado seguido de uma cara de cu e quem ficou frustrada e com cara de cu, no final das contas, fui eu.
Minhas demonstrações de afeto sempre acabam atravessadas na goela, como um nó ou um vômito ou um espinho de peixe, não necessariamente nessa ordem. Sou uma escrota. E não há nada que eu não tenha tentado que fosse capaz de reverter meu temperamento retraído e que muitas vezes soa como frieza, mesmo tendo um turbilhão de emoções pulsando por dentro, elas simplesmente ficam entaladas. Sou uma escrota emocionalmente constipada. É como se eu tivesse comido demais e não conseguisse cagar, por isto vou inflando como um balão até que estouro e os dejetos respingam em quem estiver por perto.
Acabei me tornando um ser humano preenchido pela sensação de impotência, porque as pessoas necessitam de provas concretas e eu só consigo fornecer evidências, tão subjetivas quanto a própria vida. Não sei o que os outros querem de mim, se é que querem alguma coisa, e se querem, deve ser algo que não tenho competência para prover ou até hoje não compreendi o que é.
E entenda, meu estoque de amaciantes de ego é restrito, aliás, sou a favor de ações ao invés de palavras sublimes que vão se esvair com o vento e perder o valor na primeira malícia de oportunidade que acarrete algum deslize meu. Porque vou cometer erros e magoar os outros, porque vou ser sincera demais e as pessoas nunca estão preparadas para isto, porque vou ser perfeccionista demais. Porque esta é a minha natureza: ser rígida comigo e com as pessoas. Então vou ser crítica demais, vou ser melancólica demais, vou reclamar demais, vou encher a cara demais, principalmente quando estiver de mal com o mundo e quando estiver de bem com o mundo também.
Enfim, este comportamento une tudo aquilo que a sociedade reprova. Porque os vínculos emocionais, em sua maioria, precisam de coesão e esta coesão só é possível através de meias-verdades, algo com função similar à da argamassa entre azulejos mas que se deteriora com o tempo e você tem que estar sempre ali reforçando o rejunte. No entanto, somente elas permitem que os laços interpessoais se estreitem, ao contrário das verdades desnudas, que expõem aquele pedacinho particular de cada um que ninguém quer que saibam, que todos odeiam secretamente e, por esta razão, cismam que têm que escondê-lo do mundo no desespero da necessidade psicótica de aceitação.
Afinal, todos querem pertencer a alguma coisa e esta é a base da alegria falseada da humanidade: ignorar verdades para conseguir simular felicidade. Todavia, pertencer seria impossível caso as relações não fossem construídas sobre dissimulações, do contrário, os outros te conheceriam a fundo nos seus piores aspectos - aqueles que nos deixam mais próximos dos animais que somos - e isto implicaria rejeição.
Não diga que seu amigo é feio, diga que ele tem uma beleza diferente que apenas pessoas sensíveis conseguem enxergar. Não diga que seu amigo está gordo, convide-o com sutileza para ir à academia com você. Não diga que seu amigo é burro, diga que ele é dotado de um tipo peculiar da inteligência prática, de modo que a recíproca ocorra em um silêncio cúmplice e conveniente.
Perceba que estas meias-verdades não passam de eufemismos hipócritas disfarçados de complacência, não tendo outra função senão jogar para debaixo do tapete o pavor da solidão. Este hábito medonho, que insistem em não chamar de falsidade, nos é empurrado como um dever cívico. Renegá-lo ou não, portanto, é uma tarefa individual, já que em algum momento você ou seu amigo feio, burro e gordo começará a parecer tapado. Está nas suas mãos.

terça-feira, 8 de maio de 2012

era uma vez um homem que agia como um homenzinho

Tomei um gole generoso da minha cerveja e o observei enquanto ele tentava me diminuir com algumas palavras rudes e pobres. Meu bem, eu não faço a menor questão de que os outros gostem de mim porque ninguém tem essa obrigação, disse-lhe, assim como eu também não tenho a menor obrigação de gostar de todo mundo, aliás, eu não suporto a maioria das pessoas que conheço, concluí em voz alta. Será que é complicado entender que não me insulto com a falta de estima dos outros?, eu pensei enquanto olhava fixamente no meio da sua cara estúpida. Ele esbugalhou aqueles olhos marrons ficando com um aspecto retardado, então me vi obrigada a rir.
Não me senti babaca por dizer aquilo porque não há babaquice alguma no fato de eu não ter uma ínfima disposição para lamber o saco alheio. Todos são assim e poucos confessam. Besta é quem pratica uma devoção exagerada às pessoas, muitas vezes até as odeia e, ainda assim, insiste em querer agradá-las mesmo que isto lhe custe a melhor parte da sua existência.
Eu continuava ali encarando o infeliz com uma curiosidade inocente, à espera da próxima ação e ele não conseguia resolver se enfiaria a mão na minha cara, ou se iria embora, ou se me xingaria de qualquer outra coisa vulgar. Eu não me importaria mesmo e no fundo ele sabia disto, portanto, não havia nada que ele fizesse capaz me retirar daquele estado de profunda indiferença com o que achava ou deixava de achar. Eu simplesmente cagava para as opiniões dele.
Senti dó do sujeito ao ouvi-lo se atropelar para cuspir um papo de "você é um lixo", no qual nem ele acreditava porque não me conhecia, mas que evidentemente havia elaborado na noite anterior e tivera sido muito mal planejado ou, talvez, a pressa para sair por cima da situação tivesse ocasionado aquela má execução.
Era um camarada engraçado nos seus modos. Fazia o tipo que ensaiava tiradas épicas em casa durante seus monólogos solitários, depois de se admirar em frente ao espelho, fingindo ser o macho alfa do pedaço. O típico sonhador sempre dentro do seu quarto abafado, com cheiro de sêmem seco nas páginas de revistas e decorado pela mãe com aviõezinhos. Debochei interiormente.
Nunca enxerguei virtudes nos submissos por escolha pessoal - e acredite que não é um pensamento exclusivo meu. Não há méritos em abdicar da própria consciência por outra apenas para ser o que os outros querem que você seja, isto te torna apenas covarde, especialmente se estes outros forem um bando de idiotas. Mas "idiotas" se tornou uma palavra vaga aqui, enfim, permita-me ser concisa: idiotas são aqueles que se sentem ameaçados por idéias distintas das que eles têm.
A humanidade cansou de nos conceder provas de que as idéias são perigosas, sobretudo porque reduz idiotas ao tamanho real que eles têm e estilhaça toda a ilusão que precisam manter para que tenham algum valor dentro das relações sociais. Quer seja para treparem, quer seja para serem bajulados nas noitadas, quer seja para curarem traumas de infância ou, quiçá, tão somente para esconderem aquele pedacinho obscuro da personalidade que detestam. Em suma, idiotas são inseguros e precisam menosprezar alguém para que se sintam melhores.
Afinal, sexo sozinho é monótono, não ser importante causa inveja, ter sofrido perseguição provoca rancor e não se aceitar corrói a cachola. A única coisa que querem é que você os enxergue como algo maior do que são, como se os vislumbrasse através de uma lente de aumento. São estas mesmas idéias que jogam por terra a visão hiperbólica de que necessitam, caso contrário, não foderão ninguém, não terão seus egos masturbados nas noitadas e se sentirão tão pequenos a ponto de esta insignificância doer, mesmo que não o admitam. E não o farão.
Mas aquele cara era um homem tão comum, tão como a maioria: com o cu no lugar da boca, uma azeitona no lugar do cérebro e, apesar de gostoso, não passava de um ser humano ordinário pela presunção. Eu sentia uma tremenda preguiça dele. Bocejei. Percebe o que você está fazendo?, perguntei, o quê?!, ele resmungou como um cachorro surpreso, você está me dando sono, respondi. Riram dele e, naquele momento, recebi um olhar furioso de orgulho ferido.
Sei que não são todos assim e que existem exceções às regras: as amebas, por exemplo. Estas realmente não têm a menor idéia do que se trata ou do que acontece no mundo. Todavia, estou a falar de gente. E tem gente que acha isto bonito. E tem gente que se sente superior. E tem gente que pensa ser importante. E tem gente que não raciocina e fala demais. Gente comum continuará se sentir superior. Gente comum continuará a pensar ser importante. Gente comum continuará achando isto bonito. O problema é que essa gente comum não entende que "quem fala muito, dá bom dia a cavalo" e neste caso, é melhor torcer para que o cavalo não seja eu.
Continuava olhando aquele rosto retorcido pelo ódio enquanto bebia minha cerveja, agora razoavelmente gelada, o que era a única coisa que realmente me incomodava. Além de ser um babaca, havia estragado a birita, ato indesculpável que o tornava merecedor de um espancamento por aquele delito. Ele esboçou qualquer pensamento que, num lapso de prudência suprema, preferiu não dizer e rachou fora do alcance da minha visão. Terminei com o resto da long neck e fui mijar.