segunda-feira, 8 de julho de 2013

café e amor

Podíamos perceber o dia claro lá fora pelas frestas da persiana grená, já meio desgastada pelo clima e pelo tempo, enquanto nós dois, embolados no edredom florido e envoltos na névoa acinzentada de nicotina, o ignorávamos com a arrogância tipicamente humana, como se não fosse nada. Você com a cara enfiada no meu pescoço pra sentir o cheiro fresco de banho, pesando gostosamente no meu ombro esquerdo, é, eu gosto de deitar na beirada, também gosto de sentir a sua respiração alta e franca em mim, e então você adormece subitamente, doce e inocente, na tranquilidade de uma criança despreocupada. 
Daqui de dentro somos apenas parênteses no mundo, uma ruptura gentil no tempo, a paz por dentro do caos febril da cidade, a calma deliciosa e indolente diante da impaciência da vida, e eu me sinto como em Samba e Amor do Chico Buarque, à exceção do samba que não faço mesmo, confesso, o que me compete é o amor, uma arte obscura que requer habilidades que ainda não desenvolvi, mas acredito que eu esteja no caminho porque você pega minha mão e me conduz por essas trilhas confusas e bifurcadas sem titubear, sem nunca ter dúvida sobre nada, enquanto eu, por outro lado, esse poço de incertezas, vou como um burro empacado que você tem que fazer força pro animal ir pra frente. Mas vou, ao menos tenho ido.
Penso que você fica simplesmente deslumbrante esticado na minha cama de solteiro, essa ideia me consome em forma de um tesão meio desesperado, e começo a deslizar a mão pelo seu corpo inerte, numa ação meio necrofílica, é bom porque macio, vou primeiro nas costas, seu ponto fraco, depois nos braços, nas bolas, quero fazer amor, beijo sua testa com toda a ternura que me é possível, sem que você veja fica tudo mais fácil, mas você dorme um sono profundo, tácito, mole e prolongado.
Já não penso no seu pau. Paro e te observo por minutos que não consigo precisar, suas pálpebras cerradas com a aderência de uma super-cola, os lábios antes carnudos estão agora inchados, bem como o nariz, e já não penso no seu pau, você mexe os pés como quem está confortável demais pro esforço de se inclinar pra coçá-los, eu continuo a te olhar com mais amor do que antes, provavelmente mais do que nunca, talvez o silêncio de fato precipite o afeto, mas não tenho certeza.
Levanto-me e vou coar café, e nesse momento há no meu peito mais sentimentos do que já tive durante a vida inteira. Ao retornar ao quarto que cheira a sono, segurando a minha xícara fumegante e perfumada, sento-me de costas pra você, que chama meu nome delicadamente, mas quando devolvo a atenção você já está virado pra parede a dormir com a brandura habitual. Eu sorrio um riso mudo e leve pelo seu inconsciente ter me buscado, pego um bloco e ponho a escrever porque eu não estou pensando no seu pau. Juro.