quarta-feira, 16 de novembro de 2011

o quase otimista vs. a quase cínica

Por favor, não me venham todos sorridentes com a rapadura numa mão e o cabresto na outra, posso dar coices eventuais, mas, pasmem, não sou uma égua. Rédeas, celas e cabrestos são para pessoas fracas que necessitam ser direcionadas, caso contrário, não teriam a menor idéia do que fazer das suas vidas, afinal, o que seria das ovelhas se não fosse o seu pastor para guiá-las? Correriam feito loucas, iriam se perder e acabariam dentro da barriga do lobo. 
A maioria das pessoas têm de ter uma direção apontada ou então ficariam por aí, zanzando de um lado para o outro, sem ter aonde chegar. E mesmo que o destino final seja óbvio, elas insistem em não aceitá-lo. Considerando o desfecho inevitável, deixam o pânico da certeza de que seus sacrifícios feitos durante a vida são baldados guardado no fundo do armário sob uma tonelada de roupas. Por isso é que precisam de obstáculos a serem vencidos, de paixões, de rituais, de manias e, sobretudo, de negação, de forma que a vida aconteça como numa terapia ocupacional para que a sensação de impotência não impere e as torne maníacas depressivas, revolucionárias ou simplesmente críticas.
A intenção é sempre torná-las um bando de estúpidos preocupadíssimos com o desfecho da novela, com quem deve sair no Big Brother ou com a vida da Grazi Massafera, esta anta que fala. São estúpidos condicionados a se preocupar com tudo que não tenha importância, menos com o fato de que se desdobram em mil facetas, se limitam, se desesperam, passam por cima uns dos outros, embora seja um comportamento inútil porque vão morrer e, olha, provavelmente será de uma forma bem besta.
- Cara, você já parou para questionar o porquê de termos que fazer certas coisas? Eu perguntei ao Ivan a fim de investigar o sentido das milhares das nossas obrigações. E não estava falando de obrigações civis, leis e outras merdas utilizadas na tentativa de nos manter na linha, mascarando ao máximo nossos instintos para parecermos o mínimo possível com os bichos violentos que realmente somos, estava dizendo de regras que precisam ser seguidas para que se seja aceito e se viva com relativa decência. 
É inútil, no final das contas. Somos inúteis, no final das contas. As pessoas são descartáveis e nos usam conforme a necessidade, a partir do momento em que não temos mais serventia para os propósitos dos outros, nos tornamos chatos, babacas, difíceis, repressores e sei lá mais o que. É o argumento utilizado para nos deixar de lado quando, na verdade, não têm coragem para serem sinceras e dizerem que não precisam mais de nós. Isso me deixa puta da vida, acrescentei.
- Na verdade, muitas vezes eu acho que vai além disso, as pessoas se sentem humilhadas por estarem sendo ajudadas e procuram descarregar as frustações em cima de quem tem qualidades que elas não têm, porque mesmo quando estamos no domínio da situação, elas ainda tentam nos menosprezar. E outra coisa que me deixa mais puto, é perceber que essas pessoas acreditam que somos burros, que somos incapazes de perceber o que eles estão fazendo.
- Isso de se sentir frustrado por não ter a qualidade X do outro tem um nome: inveja. Haha. Mas sei lá, Ivan, acho que o buraco é mais embaixo, as raízes tão na falta de caráter delas e acho, inclusive, que elas não acreditam que somos burros, apenas querem sustentar a ilusão de que o que fizeram passou despercebido para se sentirem espertas de alguma forma, entende? Na verdade, o que elas precisam é apenas isso: ilusão.
- O caráter é o fator determinante mas, ainda assim, em alguns episódios você consegue distinguir essas pessoas que nesses momentos críticos se tornam diferenciadas, ele respondeu.
O Ivan é um cara crente, crente não no sentido de curtir desencapetamento total nas noites de sexta-feira, ele é crente na acepção otimista da palavra, ou seja, ainda crê nas virtudes das pessoas e analisa o comportamento delas de uma maneira quase ingênua porque não tivera sua visão dos fatos totalmente maculada pela malícia proveniente de experiências péssimas. Mas isto eu já havia percebido mesmo antes de conversarmos sobre estas questões, soube no instante em que o vi pela primeira vez, o tipo físico dele e as suas maneiras talvez tenham me conduzido a uma imagem pré-concebida, sei lá, não tem importância. Prossegui o raciocínio falando que esta forma de pensar por um lado era boa mas que, por outro, alimentaria esperanças que seriam destruídas centenas de vezes e isso iria magoá-lo.
Fui incisiva ao comentar que não acreditava mais, que não colocaria minha mão no fogo por mais ninguém, que as pessoas não valem nada, eu, pelo menos, admito isso, continuei, e realmente admito que eu não valho a merda que eu cago, mas tem gente que força para ser um mártir da sociedade capitalista selvagem com frases feitas ao passo em que só tem comportamentos mesquinhos, vis e egoístas. Finalizei com um sucinto "cansei", porque cansei mesmo.
Ele riu, provavelmente pela minha renúncia aparentemente irrevogável, disse que conhecia muito bem o tipinho dos falsos moralistas e que, sim, era um pouco otimista, que esse otimismo tivera sido a forma que ele encontrara para se motivar, contudo, aprendera a não esperar gratidão de ninguém, que esta qualidade não era intrínseca ao ser humano. Bom, só pelo fato de conseguir enxergar isto já tornava a situação um pouco melhor, talvez não fosse tão inocente quanto eu havia cogitado, menos mal, pensei.
Quem é incapaz de pensar por conta própria delega suas decisões aos outros como um cavalo delega sua vontade a quem o conduz, o problema é que as decisões alheias implicam princípios alheios, interesses alheios, idéias alheias, transformando, enfim, a mera indolência em escravidão, no ambicionar absolutamente nada que seja bom para si, vivendo sempre a executar, mecanicamente, ações que são excelentes apenas para quem dita as regras do jogo.
Não conseguem desejar qualquer outra coisa que não queira o resto do mundo, um emprego estável que odiarão, com o chefe que cometerá abusos de autoridade que odiarão, com colegas pobres de espírito que odiarão; uma família estável que sentirão vontade de esquartejar ao chegar em casa por ainda ter que lidar com os filhos mimados e com o cônjuge que, provavelmente, irá te trocar por alguém com metade da sua idade a partir do momento em que o estresse e o desgosto impedirem que você tenha uma ereção para comê-la com impetuosidade ou dar até não aguentar mais.
Muda um detalhe aqui, outro ali, entretanto, na essência, são sempre os mesmos sonhos e os mesmos discursos. Não passam de robôs que, evidentemente, não têm brio, não têm personalidade, não têm criatividade, não têm sequer audácia para reger a própria vida, embora haja pretensão de sobra para ostentarem qualquer coisa que não são, que não querem ser, que nunca serão, mas que se foda, contanto que acreditem nas idiotices que contam por aí.
A conversa adquiriu um tom ácido de crítica, ao menos para mim, então disse-lhe que não eram apenas falsos moralistas, eram falsos politizados, falsos amigos, falsos adeptos da contracultura sessentista, falsos filósofos, era tudo falso. Alguns forçam tanto para aparentar qualquer coisa de profundo que se tornam afetados, como um travesti tentando imitar os gestos de uma mulher. Ri, solitária, da minha analogia pateta. 
Continuei dizendo que não conseguia mais ser otimista e que talvez eu tenha me tornado uma cínica. Não sabia, só sabia que me motivar pela possibilidade de que, quiçá, ainda existam pessoas realmente boas não funciona mais, principalmente porque me irrita esse hábito psicótico que elas têm de ter que transparecer alguma coisa com um quê de sabedoria suprema, o que é ridículo e também arriscado, não estou nem um pouco a fim de esperar e pagar para ver. 
Não sou uma ovelha ou qualquer outro quadrúpede e asserto, portanto, que minha massa encefálica funciona razoavelmente, pelo menos, o necessário para poder discernir dois ou três fatos essenciais para ter a capacidade de rejeitar a sujeição. Esta história de ter que ser qualquer coisa que eu não quero, não aceito e não concordo, tem um conceito que eu até compreendo mas que, irremediavelmente, não se aplica a mim. 
Por isso, Ivan, eu te digo: não espere nada de ninguém, a maioria das pessoas é uma merda, principalmente porque não dá para saber quem elas são de verdade já que insistem em esconder, propositalmente, o que elas não gostam nelas mesmas. O fato que elas não entendem é que está tudo bem em ser ignorante, mas que tenham pelo menos alguma dignidade e sejam honestas, caralho.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

eu seria pior se não fosse pela falta de dinheiro

Raramente consigo escrever qualquer linha sobre esperança, acho, inclusive, que a falta da última-que-morre remete a minha infância conturbada, aos meus insanos pais professores, extremamente inteligentes, com comportamentos de adolescentes tardios e que em meio às cachaçadas, em meio às tantas loucuras, apesar de tudo, conseguiram enfiar alguns princípios dentro da minha cachola como se eu fosse uma aluna deles 24 horas por dia, 7 dias por semana, durante os sofríveis 365 dias do ano. Quiçá eu tenha entendido tudo errado ou quiçá eu tenha nascido mesmo com o talento natural para ser uma garota ruim. A segunda hipótese faz mais sentido porque eu realmente sentia tesão, mesmo que não tivesse a menor idéia de como era me sentir excitada, ao observar as expressões de espanto do entorno e confesso que aquelas caras de horror e reprovação eram como o que são fodas muitíssimo bem tiradas para mim hodiernamente.
Eu passei minha adolescência aqui no bairro e, mesmo estando bem ao lado, cresci relativamente sozinha, aprendendo sobre a sexualidade, mesmo que a minha sexualidade na época tenha se resumido a ter doado, alguns anos mais tarde, o meu cabaço a quem me dediquei por anos a fio e que atendia por namorado, aprendendo sobre a vida, sobre o martírio, sobre o fardo da consiência de mundo. E, conforme meus pais chapavam o coco por aí à fora, eu agia de forma equivalente na rua escura de fundos do estacionamento do shopping enchendo a cara de vinhos vagabundos, bem escondida, aprendendo a fumar e a beber aos 13 anos, embalando discursos metafísicos e infantis sobre política, literatura, futebol, religião, boemia e toda a sorte de assuntos que dominam a mente dos marginalizados precoces, assistindo, embriagada, as promessas feitas durante a infância se asfastarem velozmente de mim, mas como a bêbada que sempre fui, só me dei conta disto outro dia.
Para comprar birita e cigarro era muito simples há 11 anos atrás porque havia uma legislação flexível e zero de fiscalização, então, ciente da facilidade, eu chegava ao balcão do boteco da Tia R pedindo de cara uma cerveja Miller e um cigarro goudang de menta, ela perguntava se eu tinha 18 anos e eu respondia que sim, mesmo com aquela voz de Sandy durante a adolescência, sem peitos e bunda, tão reta quanto uma táboa, e a Tia R, por pena, me vendia seus produtos. Eu disse por pena? Por pena uma ova! Fazia isto porque queria ganhar o seu sustento e o do seu filho viciado, mesmo que fosse às custas de uma freguesa estragada prematuramente como eu, mesmo sabendo que estava alimentando a possibilidade de criar outro monstro como ela fizera com a sua própria prole. Ela não dava a mínima, mas pelo menos não era um não se importar como o dos meus pais, que viviam rasgados d'água e só sabiam reclamar e brigar e encher meu saco sem terem a menor idéia do que acontecia comigo, a Tia R, ao contrário, simplesmente não se importava e isto era um sentimento genuíno porque até mesmo a circunstância consciente de não se importar lhe era desimportante.
Depois de adqurirmos o que queríamos, minha fiel escudeira e eu, íamos para uma rua discreta em frente ao McDonald's e toda bendita vez em que ela fumava, sentia a vontade lacinante de cagar. Era incrível! Apenas três tragadas eram o suficiente para que o cocô lhe apontasse no rabo, então corríamos desesperadas para o banheiro da lanchonete para que ela pudesse se aliviar. Depois de algum tempo, a mentira deslavada para a dona do boteco, os goles, as tragadas e a vontade de botar para fora se tornaram um ritual e eu nem me irritava mais com isso, pelo contrário, fumava e mandava a cerveja para dentro rapidamente a fim de que tudo ocorresse dentro do cronograma que nos era habitual, afinal, alguma coisa próxima de familiaridade nós havíamos de ter, nem que fosse o trajeto percorrido às pressas até a privada. A verdade é que corríamos ébrias ao banheiro com a veemência de que tínhamos vontade de correr até os nossos pais e dizer-lhes que eram um bando de egoístas filhos da puta.
Aos 14 anos, minha mãe descobriu que eu fumava maconha. Deste dia em diante, minha vida se tornou um inferno. Não, o inferno é um hotel de 5 estrelas se comparado ao que eu passei durante uns bons 5 ou 6 anos, sendo consumida pela eterna suspeita, pelo dinheiro regulado, pelas fofoquinhas familiares, pelas fofoquinhas dos conhecidos, pelo fato de tudo o que me ocorria ser atribuído à pobre e inofensiva marijuana, até o desgraçado do namorado era culpado. Para minha sorte outro primo meu acabou sendo descoberto, muito tempo depois, como um inveterado maconheiro e eu vivi um período de paz e negligência por parte de todos os parentes e tive, portanto, toda a tranquilidade para seguir com a minha filosofia de vida rock & roll. O problema foi que, à certa altura, descobri que sentar o nariz era muito mais divertido e que, embora mais caro, me propiciava horas maiores com a minha maior paixão: o álcool. Daí quanto mais eu cheirava, mais eu bebia e quanto mais eu bebia, mais eu cheirava e mais alheia aos fatos ficava. Tornou-se um ciclo vicioso. O álcool, o pó, meus pais desregulados e eu. Era uma relação doentia.
Nunca tive nenhum exemplo do que poderia ser uma família perto de tangir o conceito de normalidade. O trivial, para mim, sempre fora o beber até fazer um chafariz com os orifícios do corpo, o fumar até o pulmão berrar por misericórdia e o me drogar até entrar em desepero pela taquidardia achando que ia infartar, muito embora meus pais sempre tenham sido categoricamente contra os entorpecentes ilícitos, de modo que passei quase 10 anos da minha vida sob ameaças de internação, ameaças de não comprarem meus cigarros, ameaças de não me darem dinheiro para sair, ameaças de exames sanguíneos, ameaças de contarem para meus futuros cônjuges sobre a pessoa deprimentemente dependente que sou e foram sempre todas estas ameaças estúpidas que não surtiam efeito e que nunca se concretizaram porque eu me antecipava abrindo a boca para deixar bem claro para as pessoas sobre com quem elas estavam se metendo, veja bem, eu sou uma roubada, meu querido, rache fora enquanto é tempo.
Ao passo em que meus pais me ameaçavam e não cumpriam, eu prometia e não cumpria também. De qualquer forma, as ameaças acabaram por ser para nós um punhado promessas que se esmigalhavam inevitalmente e que não possuíam valor algum, mas que eram refeitas sempre que as particularidades dos fatos exigissem que fizéssemos, renovando, assim, nossa fé em nós mesmos para que a quebrássemos posteriormente de uma maneira monstruosa, bestificada e desrespeitosa dando contorno àquela cachorrada repugnante em que vivíamos.
O fato é que, apesar de não me drogar com a diligência de outrora e de não beber com a sede de outrora, ao conversar com uma amiga sobre minhas fraquezas, cheguei a dizer que isto ocorrera por nojo, não que não enxergasse isto naqueles tempos de calmaria e relativo otimismo, mas ao repensar e reaver o conjunto da obra neste momento, atribuo a minha constante sobriedade à falta de dinheiro. Carecer de capital às vezes pode culminar na moderação dos maus hábitos e é por isto que eu constumo dizer que Deus não dá asas às cobras e, este bicho peçonhento que escreve, se não tivesse que se rastejar pela vida, já teria sucumbido às inclinações vertiginosas para o mal. Acho que devo dar mil glórias à classe média ou ao governo de Minas Gerais pelos contra-cheques miseráveis designados aos professores tais quais meus pais.
Apesar de aqui em casa sempre termos sido um bando de loucos, nos amamos demais, ainda que seja de uma maneira retorcida aos olhos comuns, mas foram justamente as adversidades que agiram como um ímã e acabaram por nos aproximar magneticamente, tornando-nos algo como que fôssemos cúmplices dos nossos crimes com a vida ou gêmeos das tristeza que sentíamos no espírito em relação a esse mundo medonho. Ao atingir a maturidade, eu percebi que havia sido muito injusta principalmente com minha mãe, já que eu sempre fui mais apegada ao meu pai, e exigi coisas que nunca deveria ter exigido porque não passava de uma adolescente retardada que se achava a criatura mais inteligente do planeta, enquanto ela se matava para me proporcionar a melhor educação possível, para que eu pudesse ler os melhores livros, assistir os melhores filmes, frequentar os melhores lugares e que não houve rejeição nenhuma por parte dela, aliás, por parte de ambos, a rejeição foi apenas minha porque nunca tive habilidade suficiente para enxergar beleza no politicamente correto. O fato é que, sendo bêbados ou não, adultos com síndrome de Peter Pan ou não, meus pais e eu integramos o grupo seleto da família, que, mais cedo ou mais tarde, atinge um grau de amizade equivalente à amizade que se tem com alguém que não é parente. Se alguma coisa dera errado na minha vida, mea culpa e de ninguém mais. Meus pais têm, portanto, a sua parcela de responsabilidade eximida para sempre porque eu, irremediavelmente, os amo, malucos, intelectuais, politizados, amorosos e inconstantes como são. Sou quem fiz, sou a única que deve responder pelos meus atos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

adeus e não voltem tão cedo do inferno, demônios

Acho formidável a habilidade de que algumas pessoas são dotadas para reprimir suas vontades, sempre seguindo os preceitos determinados por este povinho carrancudo. Esta é uma dádiva exclusiva dos seres iluminados e que engloba, também, a magnífica capacidade de viver como um repolho, sem questionar as regras que são impostas. Imagine que tivessem colocado o rio Tietê no céu e dele chovesse toda a nojeira que sai dos nossos cus, pois bem, é assim que aceitam pacificamente a torrente de esgoto que despenca implacável sobre as suas cabeças sem, sequer, franzir as sobrancelhas ou retorcer o nariz.
São mesmo abençoados estes que não contestam, que não soltam um berro, que não esculacham e que, por mais indignação que lhes venha a goela, as engolem. Jesus Cristo ficaria extasiado com tal abnegação, nem a sua santíssima mãe viveu com tamanho desprendimento, só está em vantagem por ter sido a única virgem a conceber uma criança sem ter fornicado.
Enfim, isto todo o mundo sabe - ou deveria saber - que não passa de covardia. Covardia no sentido de serem omissas quando convém e, também, a covardia no sentido da vileza ao praticarem o mal. Óbvio que para serem cretinas, bravura é o que não lhes falta. Não lhes falta firmeza de espírito para dissimular, para ignorar os defeitos dos amigos, para excluir, para fofocar, para mentir, para falar mal, para dizer amenidades na sua frente e sentar a língua quando você dá as costas.
Perceba que só não falta coragem para coisas inúteis. Os seus grandes culhões, que servem para todo tipo de sacanagem com os outros, se escondem amedrontados atrás do pinto quando são chamados a socar a cara na realidade. E é só baterem de frente com a faceta assombrosa da verdade que, em questão de segundos, o legal vira escroto, o engraçado vira grosso, o indiferente vira odiado, tudo isto porque a sinceridade é como um estupro cometido pelo Kid Bengala às suas vidas construídas porcamente sobre profundos alicerces constituídos de ninharias e mentiras.
A razão pela qual tanta repressão mental é aceita com complacência me conduziu a uma bifurcação de duas possibilidades: ou são débeis que não enxergam que não há moral nenhuma em regular, julgar e taxar comportamentos porque o único objetivo é apenas manter a manada sob controle, ou são coniventes pelo pavor que elas têm de serem rejeitadas. Em ambos os casos, tenho a obrigação de dizer, que a finalidade é irremediavelmente patética.
A passividade com que existem só pode ter raízes no medo, quer seja no medo de ser repelido ou no medo de causar uma má impressão ou no medo de não ser compreendido ou no medo de abalar a imagem de qualquer porcaria que se queira manter. No entanto, a circunstância de o medo do que os outros vão pensar pautar a vida de alguém, nada mais é do que o indizível medo de viver, indizível porque ninguém admite sentir. Quem se importa demais com os hábitos solenes que disfarçam as hipocrisias desta sociedade suja e subjuga a própria vontade deliberadamente é porque, no fundo, além de não se aceitar como é, não passa de um frouxo.
O que elas não entendem é que não existe sentido no ser se isto significar estar sempre retraído, sendo sufocado pelas mãos de todas as pessoas que você conhece e que irão espremer sua traquéia ao menor sinal de contravensão às regras e que é simplesmente absurda a cara de pau de dizer que vivem intensamente, de modo que não me resta outra alternativa senão repudiar gente frouxa. Gente que acha que engana, escondendo-se atrás de conversinhas fiadas do tipo eu sou da paz para evitar determinados assuntos com o intuito de disfarçar a sua ignorância, essa mesma gente que adora dizer que está aqui de passagem mas não veio a passeio. Ora, gente que se borra de medo das pessoas só pode ter vindo aqui a passeio, caralho, ou por qual outro motivo teriam tanto pavor das opiniões dos outros?
Passeia pela vida gente que sobrevive às custas de sacrifícios estóicos, seja deixando de dar uma boa metida porque ciclano condena, seja deixando de cultivar amizade com alguém porque beltrano condena, seja ouvindo música da moda porque se não o fizer, o fulano condena. Mas e quem condena? Quem condena nunca será condenado porque quem condena só pode ser algum tipo de autoridade moral: ou um deus ou um santo. Claro, esta é a única explicação plausível para o fato de que aqueles que recriminam tanto nunca sofram censura, para que sejam imunes a tudo, eles têm de ser realmente muito bons.
O que eu quero dizer que o acontece é que, no final das contas, de tanto viver a evitar a condenação cruel de quem se sente no direito de humilhar, o tempo já terá passado, e você se dará conta de que, mesmo tendo cumprido com maestria todas as etapas conforme manda o figurino, o que na verdade fez foi se invalidar e se anular e, então, sentirá a dor dilacerar a alma por ter existido sempre em função de qualquer pessoa que não seja você mesmo. Eu não sei quanto a você que está perdendo seu tempo lendo isto aqui, mas para mim, existir desta forma não vale a pena, aliás, isto nem é existir, isto é que é viver a passeio.
Portanto, prefiro que me deixem sossegada aqui com meu mau comportamento, com meus vícios, com minha boca suja, de qualquer forma, isto soa melhor do que a outra hipótese de ter que me tornar uma dessas mulheres para casar que são como Barbies, patriçocas, hippiezocas ou sei-lá-o-que-ocas, que se acham o máximo porque botam a banca de púdicas mas que, no entanto, chutam o pau da barraca por debaixo dos panos e que não passam de vagabundas interesseiras e os otários acreditam, sobretudo, porque é cômodo, recusando-se terminantemente a enxergar a verdade de que esses tipos de mulherzinhas são como vacas hindus, só que com um cérebro menor, sempre reféns de idéias que nem são delas e que, por isso, nunca conseguirão ser pessoas de verdade, porque estarão sempre preocupadas com o que vão pensar os fulanos, beltranos e ciclanos e ciclaninhas, fulaninhas e beltraninhas.
E, francamente, para o inferno com esta merda e não voltem tão cedo de lá, demônios!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

cálculo, café, cigarros e devaneios na áfrica

Peguei o meu bloquinho porque senti uma necessidade que beirava a tara de escrever alguma coisa, qualquer coisa. Não tinha a menor idéia do assunto, pensei bobagens corriqueiras do meu dia-a-dia monótono, conversas de padaria, um deboche sobre minha última cachaçada da qual me recordo pouquíssimo, rejeitei todas as idéias e esbocei um pensamento pretensioso de que eu deveria dar início a um romance, contando as histórias cáusticas e perversas sobre as minhas excursões ao submundo mas acabei rejeitando também esta idéia por genuína falta de vontade de dar prosseguimento ao esforço de ter que fazer esforço, e apenas a simples possibilidade de me empenhar por isto já foi o suficiente para abrir prerrogativa à minha eterna preguiça.
Tomei um gole do café gelado, vislumbrei um outro livro de cálculo esperando por mim cheio de equações diferenciais que furtavam vez ou outra a minha atenção, tomei outro gole do café gelado, eu tinha que estudar, revirei a memória em busca de qualquer coisa que merecesse minha admiração, qualquer fato extraordinário que nunca me aconteceu, qualquer tópico filosófico relevante, qualquer dissertação acerca da minha frustração com a sociedade, qualquer relacionamento mal sucedido mas lembrei que não me relaciono com ninguém há meses e os insucessos passados já não me interessam desvendar, mais outro gole daquele café gelado, um cigarro e... nada.
Está para nascer pessoa menos espirituosa do que eu no que concerne o ofício. Estive na iminência de escrever contos longos mas a disposição para o trabalho prolongado nunca foi o meu forte, sofro da síndrome da obra inacabada. A minha grande ambição profissional se resume a me escravizar por um período da vida, somente o suficiente para ganhar um dinheiro que dê para comprar um pedaço de terra na África, esvaziá-lo, emancipá-lo, cercá-lo e passar o resto dos meus dias lendo, escrevendo, lendo, enchendo a cara, escrevendo, acordando podre de ressaca, lendo, escrevendo, enchendo a cara, acordando podre de ressaca e observando orangotangos saltarem de galho em galho.
Preciso falar do meu sonho. Não escolhi o continente africano aleatoriamente, escolhi-o, primeiramente, por ser bem longe daqui, das pessoas daqui, das mentalidades limitadas daqui, em segundo lugar, porque é o lugar mais fodido do planeta e, evidentemente, o custo-benefício valerá à pena pois não falta político corrupto querendo se livrar da pica que deve ser administrar miseráveis infectados com HIV, milícias armadas até os dentes, famintos pisando nas cabeças uns dos outros atrás de grãos de arroz e, finalmente, em terceiro lugar mas não menos importante, a fauna daquele pedaço de mundo esquecido por Deus realmente me agrada e me faz acreditar que vale a pena me manter viva para contemplar alguma beleza perdida no meio das toneladas de bosta deste planeta corrompido e imundo.
Eu e o meu futuro país solitário africano e as minhas cervejas e os meus deslumbrantes orangotangos catando piolhos dependurados nas costas de seus semelhantes, tudo só para mim na santa paz, paz até para sentir-me desgraçada no limbo pós-etílico. Sempre fui uma ótima companhia para mim mesma, por isso nunca cheguei perto de alcançar a compreensão desta necessidade neurótica das pessoas de ter que viver em sociedade com milhões de amigos histéricos e sorridentes porque eu, ao contrário, sempre enxerguei a multidão como um incômodo, semelhante ao incômodo produzido por um vento impiedoso de inverno que dói nos ossos e queima a pele.
É irritante como estão sempre a sofrer pela solidão, choramingando pelos cantos, citando frases profundas que nem são suas, já que são incapazes de pensar algo original por conta própria porque são como animais adestrados e seguem se desdobrando, se matando e se anulando para agradar todo mundo porque acham que todo mundo tem que agradar e ser bacana o tempo todo, bajulando incansavelmente os outros idiotas presunçosos para ganhar uns tapinhas nas costas de aprovação, enfim, serei concisa: não passam de um bando de carentes, desesperados para serem aceitos a qualquer custo. E cá estou eu, a enlouquecer por esta multidão imbecil.
Depois de pensar, pensar e pensar, resolvi que já não queria mais estudar, nem falar dos meus devaneios na África, não queria mais nada porque já havia tomado a decisão de escrever meu livro que teria esta única página, a da dedicatória. Esbocei com uma grafia de primário no bloquinho minúsculo o seguinte: "Dedico este livro ao meu cérebro, o único responsável por este feito, já que o resto de vocês sempre fez questão de desmerecer a única coisa que faço razoavelmente bem. Aliás, desejo imensamente que todos se fodam de cima a baixo de modo que fiquem arrombados pelo resto de suas vidas mesquinhas". Pousei o lápis em cima do bloco. Visceral, disse em meia voz, meio vulgar porém visceral... em outras palavras, bastante adequado, acrescentei sorrindo meu risinho cínico e malicioso habitual.
Eu devo ser mais do que anti-social, a verdade é que talvez eu seja mesmo uma retardada ou uma estúpida ou uma melancólica idiota ou tudo isto. Mas tudo isto atualmente, para ser honesta, não faz a menor diferença e é o tipo de rótulo em que faço questão de cagar em cima.