quarta-feira, 30 de julho de 2008

consultório psiquiátrico

Sou paciente assídua de uma psiquiatra. Mas nunca cheguei ao ponto de me deitar num divã. Sempre começamos com aquele lero-lero de louco pra louco. Tocamos nos pontos básicos da minha síndrome do pânico, como a minha mãe (qual mãe não deixa a gente em pânico?), como a minha faculdade (faculdade dá pânico, sim) e como os namoricos fracassados (é sempre um panicozinho).
A vista de lá é bem bonita, vê-se todo o centro da cidade, e mesmo de dia, gosto de bisbilhotar as varandas alheias pela janela da Doutora. Ela faz explanações sobre meus pequenos problemas, pergunta sobre minha relação com sei lá mais quem, às vezes eu resmungo uns sins e nãos e até o evasivo hum-hum. Não consigo me concentrar. A vista é realmente bacana. À aquela altura minha síndrome do pânico tinha ido pro inferno.
Eu não ligo muito pro meu pânico, pra ele eu tenho remédios e até uma psiquiatra que me faz sentir menos maluca. Eu gostaria que ela explicasse a culpa que sinto. Por que culpa? No princípio era o verbo e eu achava que só eu me sentia culpada. Com o passar do tempo fui descobrindo que todo mundo tem culpa. Não no cartório. Mas na consciência.
Vou tentar explicar: todo mundo acha que eu não faço nada o dia inteiro. Fico só pensando. É verdade. O problema é que ninguém considera o trabalho de pensar como ofício. Daí vem a minha culpa.
Toda vez que coloco um texto aqui, logo me vem a cabeça: o povo vai pensar que eu escrevi isso aqui na maior moleza do mundo. Que eu sou uma vagabunda. E eu, realmente, fico achando que sou.
Às vezes, pra aliviar esse meu sofrimento, eu penso no Romário, que trabalha umas 10 horas por mês e ganha 100 mil dólares. Será que ele tem culpa? O Chico Buraque fica anos sem trabalhar, jogando futebol, será que quando ele acorda ele sente culpa? E o Erasmo Carlos então? Será que ele tem uma big culpa?
Foram uns 4 anos de culpa pra eu conseguir escrever isso. E não adiantou nada. Continuo com a culpa. Acho que vou morrer, relativamente, cheia de culpas.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

may god be with me

Já faz um bom tempo que eu e Deus mantemos uma discreta relação de indiferença. Ele falhou comigo. Eu falhei com ele. Pra falar a verdade, nós somos dois leões em uma jaula muito, mas muito pequena.
Ouvir o meu coração não vai tirar o travo azedo de tudo o que se tem passado comigo, porque me vi remetida sempre ao segundo plano dele. Mas sei, também, que remoer a dor da vida ou o seu descaso não vai me fazer feliz nunca.
O que me tem custado mais é ver que tudo no que eu acreditava está a escorrer por entre os meus dedos, sentir que a minha fé é ignorada e começar a acreditar que, muito provavelmente, é algo vão que não passa de uma histeria coletiva.
Sinto-me enganada por esse Deus. Feita de otária, como tantas outras vezes, mas aqui é diferente, é pior e, sobretudo, muito mais doloroso, principalmente porque me parece que foi proposital, um castigo premeditado pelas minhas dúvidas.
Não sei se fui enganada esse tempo todo ou se, simplesmente, sou eu que tenho enganado a mim mesma. Talvez eu nem tenha esse direito, mas como me sinto!
Enquanto não entender o que sinto em mim, não vou ser capaz de sentir nada por ninguém. Tenho que me acalmar pra fazer minhas escolhas com a serenidade da certeza, especialmente porque não sei a profundidade da água e não tenho certeza se ainda me lembro como se nada...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

astolfo e eu

O Astolfo até que era legal, mas tudo bem que tivéssemos os nossos problemas. Problemas sempre relacionados à nossa relação obsessiva, como que sofrêssemos de uma dependência crônica de cachorrada e auto-destruição. Nós amávamos nos odiar.
Naquele dia íamos de vodca. E quando eu ficava de porre, desandava a falar absurdos sórdidos e inconcebíveis a respeito dele, naquele típico tom de voz: áspero e vulgar. Sibilando os 's', absurdamente irritante.
Já teve dia de eu me pôr a berrar tudo quanto é maluquice e tê-lo ali estático, como se ele fosse um transeunte ouvindo a briga de um casal qualquer. A lembrança que tenho desse dia, é dele alheio à realidade, aturando aquela monstruosidade apenas porque tinha mesmo que estar.
Eu não parava mais. Matraqueando e remexendo naquela merda mental. O seu silêncio era suave e sufocante, como folhas de árvores num inverno desgraçado e impiedoso. Dizia que iria acabar com tudo porque eu não agüentava mais os seus desaforos, quando, na verdade, eu morria de medo de perdê-lo.
Quase sempre discutíamos depois de beber bastante, e bota bastante nisso. Ele vivia alegando que eu me comportava com uma mesquinhez insuportável nesses momentos, mas sempre achei que a mesquinhez fosse dele. Seja lá como for, quando a discussão se levantava não havia quem suportasse ficar por perto.
Aí então, depois da explosão, em um lapso de sobriedade, a gente voltava a se amar. Nos beijávamos com uma paixão assombrosa. Chegava quase a dar pena. Eu disse quase. Fazíamos isso com a mesma naturalidade com que respirávamos. Como se fosse nada.
Embora aos olhos alheios fosse a mesma porcaria de sempre, nós nunca nos comportávamos como na briga anterior, o que contribuía pra que mantivéssemos algum interesse um pelo outro e caíssemos numa próxima armadilha.
Havia tempo que brincávamos com a morte. Mas não nos sentíamos assim. Naquela época poderíamos até morrer de fome. Ou de amor. E isso tinha tudo a ver com o que existia entre mim e ele: loucura. Talvez fosse por isso que a gente sofria privações lado a lado, bebia, brigava e ainda assim continuávamos juntos. Não é de se dizer que fomos grandes cúmplices, mas nos conhecíamos muito bem.
Pensando bem, aquele romance não passou de uma espécie de palavrão. E a dor, pra mim, não passava de uma espécie de azar: fingia que não notava. Simplesmente, derramava vodca em cima dela e continuava vivendo.
O problema é que a nossa vida consistia em ficarmos chapados de qualquer coisa que tivéssemos à mão. Mas eu ainda acho que a grande culpada daquilo tudo foi a vodca, devíamos ter continuado só na cerveja.