quarta-feira, 19 de outubro de 2011

quando um homem brocha uma mulher

Eu era uma criança feia e, por isso, pensava quando mais nova que se eu apresentasse um outro atrativo talvez tivesse a mínima chance com os caras algum dia. Avaliei as minhas restritas possibilidades e escolhi o caminho mais fácil que era o de ser inteligente. Cresci, continuei feia e estranha, porém, com algumas coisas a mais na cabeça que não fossem apenas cabelo e maquiagem. O que acontecia é que, a princípio, todos os homens me pareciam interessantes, com seus braços de macho, suas mãos ásperas e grandes, com seus pescoços largos, pernas bem torneadas, mas ao ouvir as suas tagarelices eu sentia vontade de estourar os miolos, os meus ou os deles, tanto fazia. De modo que me ocorreu que eu poderia ter lido os livros errados, amargos demais, profundos demais, voluptuosos demais, não sei.
Sei que, depois um longo tempo, eu vim a perceber que por mais que eu gostasse de um sujeito, cedo ou tarde, ele começaria a encher meu saco, sua voz, seus hábitos, seu cheiro, tudo passava a me irritar, a me enojar, a me entediar, então eu me transformava, dizia frases rudes e outras coisas ríspidas, principalmente quando enchia a cara, fazia as maiores abominações do mundo apenas com o intuito de afastá-lo. Esforçava-me para, a certa altura, simplesmente cismar de que estava a fim de cagar com tudo.
Isto era ilógico, não havia razão de ser e a constatação da inutilidade dos meus atos veio seguida daquela sensação idiota de negligência, que acabou por provocar uma enorme preguiça em mim só de cogitar me envolver com alguém. Alguma coisa se desvirtuara do plano original, havia uma divergência gritante entre a expectativa e a realidade, na expectativa, todos me admirariam por não ser uma burra, na realidade, todos me rejeitavam por não ser uma burra. Concluí que eu fizera a escolha mais equivocada do século, deveria ter abnegado do intelecto e escolhido algo mais acessível aos cérebros de azeitona de quem costumo trombar.
É verdade que eu nunca tive tato e sensibilidade suficientes para o amar e ser amada, pelo menos desde quando resolvi que não queria ser uma imbecil, mas a inteligência sempre foi um entrave às chances de me relacionar porque a maioria dos homens que conheci nunca se deu com mulheres que pensam, primeiro, porque não o admitem e, segundo, porque se esta mulher nega o futuro covarde e sem perspectiva de uma vida pacata na aparência e medíocre na prática, contraria a expectativa masculina de que uma mulher tem a obrigação cívica e moral de ter que casar, procriar, encostar a pança no fogão e morrer. 
Portanto, acabei ficando com a solidão, de certa forma, ela sempre foi o meu porto seguro, um lugar inatingível que ninguém conseguiria alcançar para me machucar, fazer com que eu me sentisse uma bosta indigna de respeito, consideração ou estima, um lugar sossegado aonde eu poderia odiar o mundo e as pessoas que habitam o mundo sem que nenhum filho da puta me retaliasse ou repreendesse. A solidão acabou se tornando, para mim, aquele lugar sagrado aonde eu tenho o direito de odiar a vida em paz.
Acendi um cigarro e fiquei imaginando todos aqueles homens gostosos, uns iguais aos outros, com seus testículos, sovacos, braços e falando muita merda. Soprei a fumaça prazerosamente. Senti vontade de bocejar mas acabou emendando num regurgito de ar porque machos sem cérebro me provocam sono e ânsia de vômito ao mesmo tempo. Pensei que se ao menos fosse cultural, tal qual a circuncisão é para os judeus, o hábito de cortar as cordas vocais de garotos ao se constatar que estes seriam destinados à diversão e não à produção intelectual, talvez não me enfastiassem tanto porque o meu tesão vai embora justamente quando eles têm a infeliz idéia de abrir a boca.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

um conto que conto para ganhar nenhum conto

Na época do colégio eu tinha uma amiga e nós éramos grudadas como amigas devem ser. Era dessas que são dotadas de um prazer de viver inabalável e tudo é uma perfeita sucessão de fatos e o mais estúpido dos acontecimentos lhes figura esplêndido assim como o surgimento de uma supernova figura para um astrônomo, logicamente que não pensavam nunca em astronomia, limitavam-se apenas à astrologia. Como estava dizendo, esta minha amiga tinha um brilho próprio que irradiava e que acabara por blindá-la das desgraças da escola, então tudo lhe tivera sido bastante simples nestas questões. Sempre achei que fosse uma boa pessoa, dotada de princípios católicos, engajada, avessa às desigualdades sociais, ao álcool, ao cigarro, à maconha, à cocaína, se acabava no axé, funk e pagode, mas, no final das contas e no pesar da balança, era uma boa pessoa e vivia uma boa vida em sua bolha.
Nunca a invejei pelo fato de a sua vida ser formidável. Quero dizer, nunca a invejei pela sua vida ser formidável 24 horas por dia, formidável no sentido de que ao dormir todos os seus sonhos eram magníficos, a bosta que cagava saía em forma de corações fofíssimos, com flechas atravessando coisa e tal, até seu mijo era esguichado junto com estrelinhas douradas. Óbvio que não a invejava, perfeição demais me é uma tremenda chatice que transforma as ações em gestos de ventríloquo. Aliás, naquele tempo já havia me resignado à condição de ser uma coadjuvante. No entanto, me ocorria uma idéia furtiva de que, talvez, houvesse algum detalhe que me escapava e que tornava aquele universo dela uma coisa inacessível lá no infinito. Eu queria sentir o deleite de estar viva, afinal, eu também tinha esse direito. Certo? 
Acontece é que estar viva sempre me custara um esforço sobre humano, principalmente porque o singelo fato de respirar em comunidade implica, inevitavelmente, ter de suprimir tudo o que eu sou, tudo que eu acredito e subjugar-me a doutrinas sociais psicóticas que nunca fizeram o menor sentido para mim. Na época, disseram-me que apenas semeando o terreno com as sementes de bons costumes a minha ascensão seria possível e que o resto, espontaneamente, se realizaria. Mas eu nunca consegui enxergar espontaneidade nesta história de você tem que agir assim, falar assado, olhar desta maneira, segurar a periquita desta outra aqui. Como nunca me sujeitava, nem antes nem agora, o resumo é que, aos olhos da sociedade, eu sempre fora um animal repulsivo.
O que eu quero dizer é que existem pessoas, como esta amiga, que já nascem com o rabo virado para a lua, que são lindas, simpáticas, falam com maciez e, por isso, têm suas vidas traçadas numa trajetória definida com destino à plenitude. O trabalho lucrativo de uma vida toda, (escravidão). Um marido delicioso de uma vida toda, (tédio). Um breve intervalo para crise de meia idade, micose, menopausa, casos extra conjugais, chulé, discussões, refeições solitárias em silêncio, ofensas brutais, falta de sexo, essas coisas todas, (finalmente a realidade). Um outro breve momento para colocar a família em ordem, estabilizar a água do lago, deixando a superfície estável mas escondendo o fundo cheio de dejetos, (manter as aparências). Ver seus filhos favorecidos pela genética formados, casados, grávidos, (contar vantagem em reuniões de amigos). E passar de geração a geração todo este patrimônio abençoado por Jesus de Nazaré, que será contado como um Cântico dos Anjos do Senhor aos seus netos, bisnetos, trinetos e sei lá mais quem até o final dos tempos.
E, bem meus queridos, este não é o meu caso. Aos 24 anos ainda não me formei, não tenho renda fixa e comecei a me tornar um grande estorvo para os meus pais. É aborrecedor, principalmente por ouvir todos os santos dias sobre meus inúmeros talentos que ainda não me deram retorno porque sou tímida demais, às vezes trocam timidez por preguiça, da minha fabulosa inteligência, para eu não desistir, que é mesmo uma idiotice o que eu faço da minha vida, de como destruo com aditivos químicos os meus neurônios de gênio incompreendido e para parar de trocar de curso na faculdade, escolher algo e focar-me naquilo, embora eu só tenha trocado uma única vez.
A questão é que, em vida, sou o sinônimo de tudo aquilo que não deve ser feito, fizeram de mim um bom exemplo de um mau exemplo e espero que depois de passar desta para melhor eu, finalmente, seja reconhecida, tenha meus dons valorizados, blábláblá, porque vocês sabem: um fracassado na vida, vira santo na morte. A glória conferida a um defunto prematuro é incrível, "que pena, tão nova", "escrevia como ninguém, deviam ter publicado seus textos", "tão talentosa", "tinha um coração enorme, poderia ter acrescentado mais ao mundo", esta aura de respeitabilidade que um presunto adquire é um fenômeno fabuloso! A morte encerra tudo e o que resta são apenas as infinitas possibilidades, nossos mortos seriam qualquer imagem conforme desejássemos, não pela certeza mas pela incerteza do que poderiam ter sido e que dormiu na vaga idéia de um talvez. É cômodo. É confortável. Alivia a consciência de quem sempre nos fodeu, nos denegriu, nos excluiu, nos espezinhou, nos humilhou e dificultou a nossa vida.
Calma, amiguinhos, controlem estes estômagos fracos! Ainda há muita cerveja neste mundo para eu tomar, muita maconha para eu fumar, trepadas para praticar, histórias sacanas e tristes para dissertar e, portanto, não pretendo abrir mão de tanta diversão tão cedo. Porquanto, continuarei asquerosa e provocarei náusea, aversão e horror ao rebanho durante muito, mas muito tempo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

aqueles malditos olhos doces

Fora sempre o tédio rançoso que me conduzira ao bar, ao copo, ao degradante, às conversas reticentes, "o que tem feito?", "como vai a sua vida?", eram pretextos, não queriam saber o que eu andava fazendo, tampouco como minha vida estava, caso contrário, dariam-me tempo para discorrer amplamente sobre estas questões ao invés de mudarem subitamente o rumo do papo de uma maneira até histérica, faziam isto apenas para seguir o que manda o figurino da sociabilidade. Eu retribuía com equivalente reticência, e também dizia de pretextos escarrados porque, afinal, as suas vidas, profundamente, não me interessavam nem de longe. É preciso cumprir o cronograma da simpatia débil e despropositada. Mas isto é apenas o tipo de besteira à toa que costuma circular na minha cabeça. Foi então que, num lampejo corriqueiro de vida que pulsa por dentro e por fora, deparei-me com aqueles olhos doces.
Observe, todo escritor, competente ou não, encontra para si, inevitavelmente, porque uma hora há de acontecer, aquela pessoa inexplicável e ela se torna um objeto de adoração porque tem uma coisa qualquer de entidade com aspirações místicas; de personificação do que é a síntese do absurdo ou beleza da existência; do ideal dos sentimentos que gostaria de sentir profundamente e que se concretizam em linhas de delírio lascivo e desejo voraz; porque tem aquele 'quê' da visão sublime que ele vasculha incansavelmente no mundo, remexendo em toda a merda fétida, até encontrá-la, para conseguir realizar as pequenas ações mecânicas diárias. E a imagem daqueles olhos doces e ingênuos não me saía da cabeça. A meiguice contrastava com seu tipo grandalhão, moreno e austero. Mas aqueles olhos doces não me saíam da cabeça. Poderia me perder por séculos no sabor deles e me tornar a senhora do tempo numa eternidade de dois segundos.
Posso começar contando como tivera sido excitante a brevidade do encontro do meu braço flácido com o braço viril dele, ou sobre como fiquei involuntariamente corada, ou sobre como o desprezava, acima de tudo, como desprezava o estereótipo que ele representava aliado ao estilo de vida que eu enojava, ou sobre como desprezava a mim mesma por me sentir perturbada, ou sobre como eu desprezava a maneira que eu me comportava quando o sujeito se dirigia a mim, respondendo laconicamente como quem não se interessa, querendo enfiar meu focinho envergonhado na terra. Esta é a Sarah, uma amante ousada, uma amante ousada e descarada.
E então de que me adiantavam, portanto, o álcool, os cigarros, os outros homens ordinários, o mundo, a puta da vida, se não tinha aqueles olhos doces? Poderia delirar sobre eles, por eles, porém nunca os teria porque, como se diz, ele era muita areia pro meu fusquinha ultrapassado. E, no entanto, ainda assim, a imagem inquietante daqueles olhos doces e ingênuos persistia na minha cabeça.
Eu o odiava.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

vejam bem como sou religiosa

Por anos o comportamento cínico dessa cidade horrorosa tem me desafiado e quase conseguiu me enganar a respeito do postulado que intitulei "Sejamos sinceros", pensei que, talvez, eu estivesse bradando uma utopia e devesse entrar de uma vez por todas na roda louca do finge-que-me-engana-que-eu-finjo-que-acredito e brincar também de ser alguém que eu não sou. O que reavivou a memória das tantas palavras ásperas expelidas por tantos lábios vulgares que acabaram por me meter pra dentro de mim mesma, pra dentro dos meus livros e fizeram com que eu me olhasse com toda a melancolia do mundo, e é por isso que quando digo que aqui é uma cidade horrorosa não é meu coração que diz sinceramente, é apenas o respingo de uma ferida que, ao borbulhar, o espalha em torno de si. E minha Nossa Senhora da Consolação, eu apreciaria do fundo da alma uma cerveja gelada agora, porque a Senhora compreende que é subterfúgio demais, é mentirinha demais, é superficialidade demais, é joguinho demais, é muita coisa a mais fodendo demais com a minha vida, né? Amém.
Após a oração, ocorreram-me as imagens de todos os lugares que já frequentei inundados das besteiras a que me sujeitei por só sujeitar, das cretinices que tolerei por só tolerar, e também das cenas em que eu me empanturrava com a comida deles, dançava a música deles e desejava os seus másculos garanhões reprodutores. Ave Maria cheia de graça, entrando na boate, se arrependimento matasse, preciso rachar fora daqui. Se me tirar dessa roubada, Maria concebida sem pecado, eu prometo me entregar ao celibato e falar das virtudes da privação. Já estava dentro do estabelecimento. Lugarzinho simpático, eu dizia olhando as trezentas vadias em busca de amores perversos, cheias de determinação, espremidas naquelas roupas provocantes. Isto é terrível. E ainda havia aquela iluminação de penumbra, ou seja, que praticamente inexiste, Cristo Rei, eu sou míope, não enxergo obstáculos e desníveis no chão, se eu cair vai ser foda, pense rápido, rogai por nós, pecadores. Por favor, uma Heineken. Amém.
E isto me fez lembrar sobre como as pessoas que trabalham no comércio por um salário mínimo, num serviço maçante, quase escravo, de oito horas diárias e que, apesar de pobres, são tão orgulhosas e te tratam tãããão mal se você aparecer de short jeans, chinelo e cabelo desgrenhado. E por Deus!, tudo isso por um salário mínimo, só pra poder estar na moda e conseguir se sustentar nas baladas e, com alguma sorte - esse tipo de gente dá uma sorte dos diabos - poder descolar um bom partido, uma namorada rica que vá bancar suas viagens para o litoral, ou um trouxa engomadinho que irá levar a plebéia para jantar em restaurantes finos e isso culminará em muitas fotos no Facebook e é essa a ilusão que todos querem sustentar e, pensando bem, um salário mínimo pode render muito teatralismo em uma cidade como Juiz de Fora, por favor Jesus, filho de Davi, tende misericórdia e rezai por nós que a vós recorremos, mas, nossa, é só um salário mínimo, gente. Amém.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

menos opiniões, por favor

Há quanto tempo não escrevia! Passei, em meses, séculos de renúncia incerta. Estagnei como um lago deserto. E na minha alma ignóbil continuei registrando, diariamente, as impressões externas que formam a minha consciência. Colocando-as, agora, em palavras vadias que erram, erram independentes de mim, por imagens distorcidas, por nuances de conceitos, por pequenas confusões. Há pessoas que quando escrevem, rabiscam rabiscos e nomes. Hoje, isto será apenas um rabisco da minha consciência intelectual, porque quando escrevo, visito-me solenemente.
Enceto aqui, portanto, uma série de críticas às merdas que vou ouvindo. Um trabalho de fundo que julgo vir a ser do interesse de todos, não tanto pelas críticas em si, mas pelos comentários burros que vou juntando, com os quais pretendo lançar alguma luz sobre certos aspectos mais obscuros da minha vida. Não que a minha vida mereça ser divulgada e promovida, tampouco por ser interessante ou importante, mas pela mentira que inebria a verdade dos fatos. Esclarecer tudo é uma convicção minha.

Questiono-me sobre a validade de manter um blog: "serei eu alguma coisa estúpida ao estilo Anne Frank?!".

Sou pouco mais do que um ser que sente e sabe que, por muitas tempestades e correntes e marés e sabores e amores, estarei sempre aqui. Porque o cansaço que sinto, perto de tudo o que a vida é para mim, é nada. E por mais que me digam o que dizer, por mais que eu sinta vontade de fugir, de soltar amarras e partir, é bem aqui neste nicho virtual que é a minha terra, é aqui que me sinto bem.
Embora minha vida tenha se posto como um novelo que alguém emaranhou. Há algum sentido nela se a lã estiver esticada ou bem enrolada, mas da forma como está, é um problema. Mal durmo: vivo e sonho, sonho em vida e a dormir, que também é vida. Minha consciência é ininterrupta, sinto o entorno se estou acordada e desando a sonhar se me ponho a dormir. Assim, o que eu sou é um perpétuo caos de imagens conexas e desconexas. Pra ser honesta, não sei distinguir uma coisa da outra, apenas sei que o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o restolho, por estar realizado, pertence ao mundo.

Claro que nem todos se preocupam só sobre este tipo de questão, alguns preocupam-se com questões menores como a origem do universo etc...

Pra ser honesta uma outra vez, ouvi que sou uma bela de uma "resmungona", foi o melhor adjetivo que um amigo encontrou para me definir. E foi, sem dúvida, aqui neste bairro que se concretizou esta tragédia boêmia a que chamam de vida, entregue às fartas libações alcoólicas. Nunca saberemos ao certo o que os outros pensam de nós, essa é a verdade, exceto pela gente ressentida, recalcada, mesquinha, que sente prazer na maldade e que não hesita em vir com tudo contra. Primeiro, acho que cada pessoa encerra em si a habilidade para praticar o bem ou o mal. Segundo, infelizmente, a maior parte dessas pessoas que já conheci passam a escolher sempre praticar o mal, nomeadamente, em certa altura das suas vidas. Terceiro, esperança? Nada. Do céu continua a desabar uma torrente de mágoas alheias que o vento dissipa.

Mais uma cruz que carrego, caralho. Agora, se chegaram à estas conclusões sobre mim por eu ter dito o que sempre disse ou ter me comportando da forma como sempre me comportei, preciso avisar: sois doentes.


Tentemos examinar este problema de uma forma desapaixonada e isenta. Discursos no decorrer da vida apimentam-na com o que parece não haver nada mais impactante. Já me foram ditas frases memoráveis do tipo "você não sabe quem é", como que me conhecessem intimamente, quando, na verdade, se soubessem intimamente quem sou, já teriam conhecimento de que sempre demonstrei como é frequente o meu desconhecer a mim mesma. Assisto-me com os vários disfarces com que sou viva: vidas diferentes, diversas, incomparáveis, as mesmas monotonias que se aproximam por fora mas que, sem dúvida, são diferentes por dentro. Ninguém age da mesma maneira sempre. Ninguém. A vida nos enche de experiências e as experiências nos enchem de calos e as idéias e concepções mudam e nós vamos nos moldando junto. Só disfarçados é que somos. Em torno de nós, todos os expoentes incógnitos duram, mesmo morrendo, em forma de paisagens.


Alguns me perguntam: "Sarah, com tanta merda a acontecer no país, você não tem opiniões a dar?". Meus caros, não é por o país estar como está, que deixam de haver fodas para dar, bebedeiras para comentar e babacas para enxovalhar. Façam o vosso trabalhinho, que eu faço o meu.

Possuo desse tento que muda e que é sempre o mesmo, de tal modo que me converto em ficção de mim mesma, onde qualquer sentimento natural que eu tenho se transfigura em sentimento de imaginação: memória em sonho, sonho em esquecer-me dele, o não conhecer-me em pensar em mim... desvestindo do meu próprio ser, quando ser é vestir-me.

Esqueci-me de referir como é que uma boa esculachada deve acabar. 

Alguns paranóicos põem-se a debitar frases e mais frases que pensam ter algum peso sobre quem escuta, mas isto, devo dizer, é como chover no molhado e pode constituir um inútil dispêndio de energias. Energias que seriam armazenadas para os estudos ou para os esportes ou para limpar os ouvidos ou para orações ou para subsequentes trepadas. Cuidado com as distrações da vida, elas podem resultar em péssimas notas, péssimos desempenhos atléticos, péssima higiene pessoal, péssimas preces e fodas muitíssimo mal tiradas. Qualquer pessoa deveria saber disso, caralho.
Então, o que mais posso dizer? Eu lhes mostro Dalí e eles me chamam de Picasso...