quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

corpo meu ou cabeça minha?

O tempo e a saudade, e alguma preguiça também na verdade, encaminharam-me para o meu novo bar favorito. O bairro, não o bar, porque cresci nele. Esperançada por mais uma cervejada épica, passei à porta do paraíso da cerva em garrafa e álcool à vontade, com a expectativa da saudade dos anos em que fui alguém melhor.
Cheguei ao estabelecimento e fechei a porta com o estrondo habitual de quem foge da chuva. Sacudi a alma, pendurei-a. Sacudi o corpo, levei-o ainda mais para o interior. Lá dentro o tom castanho-fumo escondia os bêbados do boteco lazarento: o meu outro eu já deixava cair a dignidade no chão. Tinha sido a primeira a chegar e era, pela linha temporal, a mais bêbada.
Aproximei a sede e a ansiedade do balcão e pedi o habitual. Ao meu lado, um pequeno ser, de tez muita pálida, assim quase albino, mordia com a avidez de um balofo, um paiol. A pele ostentava ainda, sardas e outras manchas. Os demais, dirigiam-se-lhe por qualquer frase definida por "mais uma dose!".
O suor me escorria pelas têmporas de pouca experiência. Já não sei se é do corpo, se é da cabeça. Mas este desconforto, que ninguém o mereça! A sensação de mal estar em todo o lado, ao mesmo tempo perdida e achada. Numa névoa de vontade, que me levava para longe com a verdade e a certeza de que o que não espera é a idade.
Estava cansada da distância imposta pela circunstância. Queria ter mais tempo para todos e não conseguia. Meio ano havia passado desde a grande cagada sentimental. E meio ano se passou desde esse dia para cá, bastantes pessoas foram lidas. Perdão, bastantes não, porque nunca bastam. Muitos. Muitos também não, porque me sabem que são sempre poucos. Talvez alguns. Isso mesmo. Neste ano que passou li alguns homens.
Agucei a minha curiosidade crônica e regulei a audição para ao máximo.
Ainda o sol não sabia que era dia e já a necessidade se levantava na direção de uma feira que era terça. O pensamento positivo de que "o que tem que ser tem muita força", ajudou a abraçar a saída noturna com o peso da embriaguez pelas costas.

Tentei também contribuir para a descida de alguns lugares neste ranking miserável em que teimamos permanecer. A minha vida, na sua muito modesta dimensão, é um veículo de combate a estas realidades impostas pela mídia brasileira. Se a influência de ler qualquer bosta for passada a uma pessoa que seja, o resultado é sempre positivo e a vitória é um virar de página. (inspirada no matheus e seus momentos de consolo literário)
Mas não chega. Sinto que não chega. Aconselhar, incentivar e sugerir não são garantias de leitura. Penso na escuridão em que vivem os que não descobrem este prazer. Na verdade, são vítimas do desconhecido e não sabem o que estão a perder simplesmente porque nunca experimentaram.
E se fosse possível formar as pessoas em prazer de leitura?!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

carnaval

Satisfações diárias não são vontades contrárias. São necessidades que todos temos e poucos alcançam, como a pequena vitória da motivação ao final de um dia. Esta janelinha de oportunidade é muito difícil de conjugar, de maneira que tudo está bem até o momento em que deixa de estar: quem diria?! Que fulano andava triste, nem parecia. Ninguém esperava uma coisa destas. Que pena, tão novo…
Não sabemos dos outros os silêncios, as angústias, as vontades, as boas e más disposições. Ilusões? Estratégias? Capas de sorriso a esconderem frustrações constantes e desgastantes. Rebentamos por vezes pela fragilidade do apoio necessário porém desencontrado, o pilar que não sustenta, a ajuda que não chega.
Estou farta e estou cansada. E tenho dores na cara que não quero ter. Preciso recarregar as baterias para enfrentar um 2010 extremamente extremo! Necessito respirar outros ares e sentir outras paisagens. Por aqui os ambientes estão com o sufoco do peso e também precisam de um recesso.
Não sei como, nem sequer se consigo realmente me desligar daqui. Vou sentir falta e saudades da dose diária de comodidade, mas este bilhete de férias que tirei para a próxima semana dá-me, por um lado, o descanso da rotina que sempre foi.
No fim vai valer à pena.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

da singeleza e brevidade

Lembrem-se de uma coisa. Sempre. É simples, nada de complicado. É até bastante simples. E é o seguinte... acompanhem-me.
Está calor. Muito calor. Está, portanto, insuportavelmente quente. A vontade de sair é inferior à média brasileira e não consegui dormir.
Há comida de sobra na geladeira, dispensa e nos outros lugares onde se guarda comida. A Sarah, esta que vos escreve, não sabe cozinhar e não tem a menor vontade de fazê-lo. Restou-me pensar e fumar.
Ideia: a idade.
A idade vai comendo a vida. Vai tolhendo o futuro e nós a observarmos. Adormece-se com um dia a menos, acorda-se com um dia a mais. O calendário muda discretamente os corpos. Vai empurrando as costas para a queda ser pequena. Os velhos sabem de cor o chão, como quem tem certeza de que está quase a chegar lá.
Desde que perdi minha madrinha, o meu respeito por quem mora no terceiro andar da idade aumentou exponencialmente. Perde-se para ganhar. E assim foi.
Com a idade, nunca escolhem o meio, escolhem sempre o fim do banco e deixam-se estar. Respiram como podem. Os olhos não procuram mais nada, já viram tudo. Vão guardando o passado em rugas.
Os velhos não vivem, deixam-se viver. Os filhos ingratos já têm a vida deles e não os querem mais. Ninguém quer as doenças cheias da idade. Eles têm de ir viajar ou fazer compras para o jantar solitário, esquecidos num semi anonimato enfastiante.
Os novos choram com o corpo todo, gritam, esperneiam e fazem caras de quem sofre. Os velhos choram só com os olhos, que o resto não se vê. Assim o fazem ao fim de cada telefonema carregado de obrigação ao invés de amor e gratidão, "o pai tá bem? Então tá, um beijo".
As mãos da idade são agora veias cansadas de mostrar o sangue para todo o mundo. As pernas vão perdendo caminho. Os braços deixam de abraçar. O coração começa a falhar, mesmo para quem amou pouco. Vai esquecendo de bater. Até que, em uma noite, desaprende. Desliga os olhos e atira o corpo para o fim.
Lembrem-se de uma coisa. Sempre. É simples, nada de complicado. Emociona-me a brevidade e singeleza da vida.