segunda-feira, 21 de julho de 2008

astolfo e eu

O Astolfo até que era legal, mas tudo bem que tivéssemos os nossos problemas. Problemas sempre relacionados à nossa relação obsessiva, como que sofrêssemos de uma dependência crônica de cachorrada e auto-destruição. Nós amávamos nos odiar.
Naquele dia íamos de vodca. E quando eu ficava de porre, desandava a falar absurdos sórdidos e inconcebíveis a respeito dele, naquele típico tom de voz: áspero e vulgar. Sibilando os 's', absurdamente irritante.
Já teve dia de eu me pôr a berrar tudo quanto é maluquice e tê-lo ali estático, como se ele fosse um transeunte ouvindo a briga de um casal qualquer. A lembrança que tenho desse dia, é dele alheio à realidade, aturando aquela monstruosidade apenas porque tinha mesmo que estar.
Eu não parava mais. Matraqueando e remexendo naquela merda mental. O seu silêncio era suave e sufocante, como folhas de árvores num inverno desgraçado e impiedoso. Dizia que iria acabar com tudo porque eu não agüentava mais os seus desaforos, quando, na verdade, eu morria de medo de perdê-lo.
Quase sempre discutíamos depois de beber bastante, e bota bastante nisso. Ele vivia alegando que eu me comportava com uma mesquinhez insuportável nesses momentos, mas sempre achei que a mesquinhez fosse dele. Seja lá como for, quando a discussão se levantava não havia quem suportasse ficar por perto.
Aí então, depois da explosão, em um lapso de sobriedade, a gente voltava a se amar. Nos beijávamos com uma paixão assombrosa. Chegava quase a dar pena. Eu disse quase. Fazíamos isso com a mesma naturalidade com que respirávamos. Como se fosse nada.
Embora aos olhos alheios fosse a mesma porcaria de sempre, nós nunca nos comportávamos como na briga anterior, o que contribuía pra que mantivéssemos algum interesse um pelo outro e caíssemos numa próxima armadilha.
Havia tempo que brincávamos com a morte. Mas não nos sentíamos assim. Naquela época poderíamos até morrer de fome. Ou de amor. E isso tinha tudo a ver com o que existia entre mim e ele: loucura. Talvez fosse por isso que a gente sofria privações lado a lado, bebia, brigava e ainda assim continuávamos juntos. Não é de se dizer que fomos grandes cúmplices, mas nos conhecíamos muito bem.
Pensando bem, aquele romance não passou de uma espécie de palavrão. E a dor, pra mim, não passava de uma espécie de azar: fingia que não notava. Simplesmente, derramava vodca em cima dela e continuava vivendo.
O problema é que a nossa vida consistia em ficarmos chapados de qualquer coisa que tivéssemos à mão. Mas eu ainda acho que a grande culpada daquilo tudo foi a vodca, devíamos ter continuado só na cerveja.

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