terça-feira, 11 de outubro de 2011

vejam bem como sou religiosa

Por anos o comportamento cínico dessa cidade horrorosa tem me desafiado e quase conseguiu me enganar a respeito do postulado que intitulei "Sejamos sinceros", pensei que, talvez, eu estivesse bradando uma utopia e devesse entrar de uma vez por todas na roda louca do finge-que-me-engana-que-eu-finjo-que-acredito e brincar também de ser alguém que eu não sou. O que reavivou a memória das tantas palavras ásperas expelidas por tantos lábios vulgares que acabaram por me meter pra dentro de mim mesma, pra dentro dos meus livros e fizeram com que eu me olhasse com toda a melancolia do mundo, e é por isso que quando digo que aqui é uma cidade horrorosa não é meu coração que diz sinceramente, é apenas o respingo de uma ferida que, ao borbulhar, o espalha em torno de si. E minha Nossa Senhora da Consolação, eu apreciaria do fundo da alma uma cerveja gelada agora, porque a Senhora compreende que é subterfúgio demais, é mentirinha demais, é superficialidade demais, é joguinho demais, é muita coisa a mais fodendo demais com a minha vida, né? Amém.
Após a oração, ocorreram-me as imagens de todos os lugares que já frequentei inundados das besteiras a que me sujeitei por só sujeitar, das cretinices que tolerei por só tolerar, e também das cenas em que eu me empanturrava com a comida deles, dançava a música deles e desejava os seus másculos garanhões reprodutores. Ave Maria cheia de graça, entrando na boate, se arrependimento matasse, preciso rachar fora daqui. Se me tirar dessa roubada, Maria concebida sem pecado, eu prometo me entregar ao celibato e falar das virtudes da privação. Já estava dentro do estabelecimento. Lugarzinho simpático, eu dizia olhando as trezentas vadias em busca de amores perversos, cheias de determinação, espremidas naquelas roupas provocantes. Isto é terrível. E ainda havia aquela iluminação de penumbra, ou seja, que praticamente inexiste, Cristo Rei, eu sou míope, não enxergo obstáculos e desníveis no chão, se eu cair vai ser foda, pense rápido, rogai por nós, pecadores. Por favor, uma Heineken. Amém.
E isto me fez lembrar sobre como as pessoas que trabalham no comércio por um salário mínimo, num serviço maçante, quase escravo, de oito horas diárias e que, apesar de pobres, são tão orgulhosas e te tratam tãããão mal se você aparecer de short jeans, chinelo e cabelo desgrenhado. E por Deus!, tudo isso por um salário mínimo, só pra poder estar na moda e conseguir se sustentar nas baladas e, com alguma sorte - esse tipo de gente dá uma sorte dos diabos - poder descolar um bom partido, uma namorada rica que vá bancar suas viagens para o litoral, ou um trouxa engomadinho que irá levar a plebéia para jantar em restaurantes finos e isso culminará em muitas fotos no Facebook e é essa a ilusão que todos querem sustentar e, pensando bem, um salário mínimo pode render muito teatralismo em uma cidade como Juiz de Fora, por favor Jesus, filho de Davi, tende misericórdia e rezai por nós que a vós recorremos, mas, nossa, é só um salário mínimo, gente. Amém.

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