domingo, 1 de abril de 2012

crônica de boteco

Já era tarde quando aquele homem desgraçado resolveu que deveria meter a cara no mundo. Botou a camisa de botões pra dentro da calça amarrotada, calçou seus sapatos velhos e carregou a carcaça que habitava pra rua. Se levasse um livro debaixo do braço, poderia ser confundido com um pastor. A barba, escassa em alguns pontos, estava porcamente feita e observando a roupa amassada, parecia um evangélico que havia saído da boca da vaca.
Entrou em um botequim tão imundo quanto os frequentadores e se deparou com todo aquele lixo social reunido. Eram casos piores de indigência e diferentes misérias particulares. Não passavam de desajustados que abdicaram das suas consciências. A vida noctívaga é o consolo das almas arredias e exasperadas pela realidade assassina. Estava, portanto, entre irmãos.
Ele olhava pra um cara velho de aparência, como quem a existência cuidara de acabar prematuramente, que penteava o cabelo cuidadosamente para o lado, numa tentativa falha de esconder a calvície precoce. O maluco mandava um copo de vodka goela abaixo como se fosse água, sem sequer exprimir qualquer expressão de esforço, enquanto vislumbrava a vagabunda que preteria pra aquela noite.
Rezou secretamente, com a fé que nunca teve, pra morrer antes de chegar a esse ponto deprimente na vida de um homem, quando não se consegue demonstrar virilidade a uma mulher senão através da tolerância etílica. Gostou de lembrar que seu pau ainda funcionava e então abriu um sorriso malicioso de canto de boca.
Ao passo em que examinava o ambiente com curiosidade, ia tomando avidamente a cerveja que pediu. Sentiu uma fisgada no estômago e se deu conta de que não lembrava da última vez em que havia comido algo minimamente decente. Olhou para o balcão e teve de escolher entre ovos coloridos, torresmos cabeludos e pastéis de carne.
Depois de mudar o pedido duas vezes, optou pelos pastéis frios e velhos. Abocanhou o primeiro pedaço enfiando mais da metade pra dentro da boca empurrando com a mão. Numa outra mordida, terminou o serviço engolindo sem mastigar direito. A impressão é de que aquela era a melhor comida do mundo. 
Olhou pra trás e viu uma jukebox. Levantou-se e caminhou até ela como um derrotado. Estava exausto demais pra colocar uma perna na frente da outra seguidas vezes, mesmo por uma distância curta, sem ficar meio ofegante. Viu-se diante de outra circunstância que exigia uma deliberação importante, sendo obrigado a escolher entre Reginaldo Rossi, Fausto Fawcet e Fábio Júnior.
Optou pelo Reginaldo Rossi. Depois pelo Fábio Júnior. Depois pelo Fausto Fawcet. Daquele jeito ia gastar a grana toda na jukebox porque não conseguia nem resolver a música que queria ouvir. Nunca fora um sujeito determinado, longe disso, era um desses caras mal resolvidos pra caralho e a simples circunstância de vestir uma cueca se transformava num dilema desgastante. Não passava de um homem fraco e débil.
Sentou-se e bebeu mais enquanto via, com indiferença, o homem impotente e de aspecto gasto arrastar a puta de meia idade pra algum beco escuro e com cheiro de mijo. Bebeu outro copo enquanto reparava com indiferença nos que traficavam livremente. Meteu pra dentro todo álcool possível junto com a mágoa que tinha, misturada com a amargura da vida. Ele viu que aquilo era toda a tristeza do mundo, toda a podridão do mundo, todo o escárnio do mundo e que ninguém se importava...

Um comentário:

Unknown disse...

"Eram casos piores de indigência e diferentes misérias particulares. Não passavam de desajustados que abdicaram das suas consciências. A vida noctívaga é o consolo das almas arredias e exasperadas pela realidade assassina. Estava, portanto, entre irmãos. " Lindo