terça-feira, 20 de novembro de 2012

crônicas da carioca do brejo IV – mostrando a bunda no centro da cidade


Sempre gostei de me considerar uma cidadã de bem. Falível como qualquer ser humano, mas de bem, o que é absurdamente diferente de ser uma cidadã exemplar. Sou uma cidadã de bem que precisa comer, comprar cigarro e custear a cerveja. Entretanto, como tudo tem o seu revés, nem alimentação e nem bebida caem do céu, o governo continua exercendo sua função constitucional que lhe outorga o direito de pisotear o povo, além do fato de que a Souza Cruz e a Ambev ainda não fazem caridade, pelo menos até onde eu saiba. Por isso me vejo dependente de um ofício, um trabalho preferencialmente lícito, do tipo que não envolva caftinagem, tráfico, lavagem de dinheiro ou extorsão. Partindo dessa premissa romanesca do dinheiro suado e da consciência limpa, imprimi vinte currículos e resolvi distribui-los pelo centro da cidade. Passou da hora de eximir meus pais da responsabilidade de bancar as minhas extravagâncias. Preciso ser justa.
Justiça. Tenho pensado muito nessa palavra, especialmente sobre como até quando tentamos aplicá-la da melhor maneira possível, continuamos um bando de cretinos. Mesmo sendo justos, somos injustos. Socialismo. Capitalismo. Nazismo. Liberalismo. Conservadorismo. Pacifismo. Neoliberalismo. Terrorismo. São todos ótimos exemplos de tentativas frustradas de consertar as coisas de alguma forma. O problema das civilizações sempre foi esse: quando acertavam de um lado, cagavam do outro. A Grécia, por exemplo, fundamentou a democracia que conhecemos, pena que ela só funcionava para os eupátridas, ou seja, homens gregos e ricos. O resto – estrangeiros, pobres, mulheres, escravos e crianças – que se fodessem pra lá enquanto uma minoria de lunáticos decidia a vida de milhares de pessoas. E aquilo era a melhor justiça. Foi como escolher um detergente escroto na prateleira do mercado: não é bom, não tira a gordura e os germes, só dá um aspecto de limpeza. E até hoje abrimos mão de tomar decisões, delegando-as a gente ainda mais gananciosa do que nós mesmos. A áspera realidade é que não queremos ser diretamente responsáveis pelas guerras, pela inflação, pelas chacinas, por programas assistencialistas de administrações populistas, pelas almas que o narcotráfico leva, por mensalões. Ninguém quer que esse abacaxi fálico atravesse nossos cus diariamente a cada vez que lermos ou assistirmos o noticiário. O sangue pode até escorrer pela crosta terrestre e gotejar no Cosmos como uma torneira mal fechada, contanto que não sejamos nós a assinar os documentos que viabilizam as barbaridades. A solução é desviar o olhar, permitindo que desempenhem esse papel repugnante enquanto nos reproduzimos e fingimos ter controle sobre as coisas ou que somos felizes e …
… quando me dei conta, meu vestido havia alçado voo até a cabeça. Fiquei com o rabo de fora em pleno centro do Rio de Janeiro quando passei pelas frestas de ventilação de um banco. Segurava na frente e subia atrás, segurava atrás e subia na frente. Juro que mais de trinta pessoas assistiram a cena digna dos programas medonhos que passam na TV aos domingos.  Não que eu tenha algo de excepcional a mostrar, porque não tenho mesmo, só sei que a Marylin Monroe se tornou uma garotinha do coro da igreja. E eu… eu estava lá mostrando minha calcinha branca e enorme na metrópole. Agora posso dizer que tive uma estreia triunfal na cidade maravilhosa.

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