quinta-feira, 14 de junho de 2012

blues, chuva e uma estátua grega impertinente

Eu estava espirituosa naquele dia. Talvez fosse a cerveja. Talvez fosse a maconha. Talvez fosse a atmosfera diferente. Não importa porque qualquer coisa era melhor do que Juiz de Fora, um lugarzinho débil e candidato à metrópole em que o cheiro de merda de cavalo paira no ar. É sempre esse odor que me faz recordar da Princesinha de Minas, seguido da imagem de bosta fresca esparramada no asfalto pelos veículos. Engraçado como a Manchester Mineira insiste em manter seus hábitos rurais, enquanto tenta dissimulá-los porcamente na tentativa de proporcionar um aspecto de cidade grande. Logo rejeitei estas memórias desgostosas da minha terra, pois realmente estava bastante espirituosa naquele dia e, pensando bem, talvez fosse mesmo culpa da maconha.
Lá pelas tantas decidimos cair no mundo. Circulamos por toda a cidade em um tour lisérgico, porém agradável, olhando através das janelas do carro e observando todo mundo se amontoar nos bares para fugir da chuva fina e chata. Eu só queria tomar cerveja tranquilamente e bater papo enquanto curtia um som de qualidade. Então resolvemos parar em um lugar que nos pareceu bacana à distância. Ao chegar no estabelecimento mal pude acreditar no que vi, a creche estava à solta e houve um choque entre gerações, senti-me com cem anos de idade ou mais.
Naquele momento a chuva já caía torrencialmente e não havia meios para que saíssemos dali. Resignei-me e comecei a me divertir, primeiro com as vozes irregulares dos moleques e depois com histeria hormonal das putinhas adolescentes loucas para dar. Pareciam aves amontoadas em um galinheiro minúsculo, aonde todos se esbarravam involuntariamente, o que contribuía para o tesão desmedido acumulado dentro dos seus corpos ainda em formação. Era hilário e eu não conseguia tirar meu sorriso cretino da cara.
Como sempre ocorre quando gente nova está envolvida, é tudo um enjoamento sem fim, porque simplesmente nego não sabe sentar numa mesa de bar sem fazer cagada. Para controlar a criançada e não ter prejuízo, era necessário que adquiríssemos as fichas antes. Ao chegarmos no caixa, senti uma leve espetadinha no ombro e me virei, dando de cara com um bombadinho. Era aquele típico retardado que acredita piamente que roupas são capazes de anular uma cara de pobre aspirante à burguês ou de elevar um feio ao posto de galã. Mas tudo bem, sou compreensiva com este ranço de Power Ranger que alguns imbecis ostentam até certa idade.
No entanto, quando me dei conta, a situação havia tomado uma proporção que diligenciava um problema sério e eu não fazia a menor idéia do que estava ocorrendo. Ao despejar meu olhar inquisitivo sobre ele, como quem diz mas que merda você está fazendo, seu idiota?, reparei que ele estava bêbado igual a um porco, dando um passo para frente e dois para trás. A surpresa veio quando voltei a encará-lo e vi que a fuça dele estava retorcida e parecia estar tudo meio fora do lugar, boca no queixo, nariz na bochecha, olhos afastados. Quase um quadro cubista. Tenho certeza de que ele precisou tomar apenas cinco cervejas para ficar naquele estado.
O problema é que o moleque também havia espetado com um palito de dente uma amiga e encoxado a outra. Claro que ele estava sorrindo na cara do perigo, eu pelo menos não encararia uma briga física com nenhuma das duas em hipótese alguma. De qualquer forma, eu estava bem humorada demais para me importar com adolescentes punheteiros brincando de gente grande, então pus-me a gargalhar da situação.
Será que ele tem o pinto pequeno ou só está a fim de dar o cu?, pensei e ri, o negócio é o seguinte, continuei, acredito que em ambos os casos, estando a procura de uma vagina ou de um pênis no meio da bunda, as pessoas têm que se comportar de outro modo ou não conseguirão ter fodas que valham a pena, escangalhei-me de rir mais uma vez, agora elevando a irritação do pobre a um grau espetacularmente divertido. Eu não conseguia mais parar.
Para ser sincera, eu fiquei no aguardo de uma potencial voadora de dois pés que nunca me atingiu, porque ele se mantinha à uma distância segura pois já havia sido ameaçado - e não foi por mim. Na real, o moleque fazia o tipo corajoso que vocifera atrás dos outros e se borra todo quando a situação aperta. Não chegava a ser digno de pena porque era um débil mental, mas recebeu toda a minha compaixão. Afinal, é este o sentimento que aflora quando um homem não sabe lidar com a sua síndrome de estátua grega, vendo-se obrigado a utilizar este recurso de palhacinho para chamar a atenção de mulheres mais tapadas. Poderia dizer algo do tipo olha meu filho, ser grande e ter o pau pequeno não precisa lhe causar tanta aspereza, é só saber utilizá-lo corretamente e outros conselhos que fazem a linha tia velha solteirona, mas isto seria inútil.
Nos restavam duas fichas que, felizmente e antes que as coisas saíssem do controle, conseguimos trocar, reavendo o dinheiro para podermos ir embora. Provavelmente, o protótipo de babaca continuou ali enchendo o saco até da própria sombra com a desgraça do palitinho de dente. Coitado, além de mongolóide, era também um leitão.
Fomos do bar juvenil para um show incrível de blues, aonde a chuva adquiriu um caráter redentor, lavando minha alma e curando parcialmente o meu porre. Ao chegar em casa, enquanto as pessoas não paravam de aparecer por lá, eu fumava e continuava bebendo como se não houvesse amanhã - e ninguém poderia assegurar o contrário -, trocando palavras amenas e fugazes. Estávamos em paz uns com os outros de uma forma cândida e evidente, estávamos em paz com o mundo, em paz com o que era próprio do mundo. Gostava daquilo. Gostava, sobretudo, daquela condição despreocupada e displicente, aliás, poderia viver até o final dos meus dias daquela maneira para ter a possibilidade de ser razoavelmente feliz.
Acordei satisfeita, apesar da ressaca monstruosa que me deixou sob os escombros da minha existência.

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