domingo, 1 de novembro de 2009

a garota mais triste que já segurou um martíni

Àquela hora só conseguia manter apenas um olho aberto e mesmo esse só me fornecia imagens desfocadas. Entre a neblina da embriaguez, parecia ver tudo num tom castanho-claro-brilhante. Algumas indagações mentais mais tarde, percebi que tinha a cabeça sobre o balcão. Estava de volta ao bar. Decidida a combater a inércia, abri o outro olho.
Agora via tudo em tom claro-torrado-com-oscilações, olhava através da taça de martíni. Numa tristeza irônica e sorridente, pensei que não houvesse mais meios de descer na escala da humilhação - ainda bem que estava encostada ao balcão! - e chamei a mim todos os sentidos necessários à operação de levantar a cabeça: equilíbrio, orientação, força e força de vontade. Cinco minutos depois a ação revestia-se de sucesso. Embora um bocado vacilante, a cabeça se encontrava na verticalidade possível.
Sobre o balcão estavam oito copos cuidadosamente alinhados. Em comum tinham apenas o fato de estarem vazios. O nono, que ainda continha líquido, estava próximo de mim por dois motivos: primeiro, era o único ao alcance da mão sem ter que esticar o braço; segundo, eu já havia olhado através dele e por isso conhecia seu interior como ninguém. Tomei um gole pequeno porque aquilo tinha que durar.
Vou ao mesmo bar todos os dias, sento-me no mesmo lugar todos os dias, à mesma hora de todos os dias eu me encosto ao balcão. Todos os dias narro um fato diferente, todos os dias trago um fardo diferente, todos os dias lamento por uma desgraça diferente. Que merda de rotina.
Cada carta da insegurança social aumenta-me as pulsações do desespero e a sede! Não fosse a minha escassa liquidez ($) a quantidade líquida aumentaria. Por aqui devem pensar que sou sovina, mas se eles soubessem que não tenho muitos putos nos bolsos da calça imunda, talvez tivessem a bondade superior de me oferecerem mais doses.
Entretida com meus pensamentos tão pouco sóbrios, nem reparei nos acontecimentos seguintes. - Mais uma tacinha, por favor.

Um comentário:

pelego disse...

Lindo e vomitado, sutil e cotidiano!
Prazer.