sábado, 25 de setembro de 2010

a coitada que seria talvez sereia se tivesse aprendido a cantar

A maioria das pessoas que já passou por mim vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia. Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que nem querem, outros dedicam-se à busca do que querem porém não lhes é útil, outros, ainda, acabam se perdendo. E todos são abelhinhas atarefadas empregando seus esforços ao trabalho insano de reduzir a vida à insignificâncias, dando contorno às mentiras socialmente agradáveis.
Já eu, cheguei hoje, de repente, a uma sensação justa, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Zero. Vazio. Nada. Vácuo. Absolutamente ninguém. Roubaram-me o poder ser antes mesmo que o mundo fosse. Se reencarnei, reencarnei sem mim. Sou os arredores da cidade que não existe, sou a figura de um romance que ainda não foi escrito, sou o poço sem muros. Eu, verdadeiramente eu, sou o centro que não há nisto.
Eu, verdadeiramente eu, não sou ninguém. Mas a maioria é. Fascina-me como são todos inabalavelmente felizes, como gozam a vida pra valer numa eterna good trip, como estão sempre famintos - ou com fome de celebridade ou com fome de aceitação, devorando as sobremesas da vida -, e quem os ouve, julga estar a escutar os mestres de Napoleão ou os instrutores de Camões.
Esses seres atribulados criam o mesmo bolor que um fungo nascido ao acaso em um lugar úmido. Têm o seu rei, as suas paixões e um cheirinho suspeito. Desaparecem e ressurgem sem motivo aparente num pedacinho do universo que lhes figura como o universo todo. Absorvem os mesmos sais, liberam qualquer substância purulenta que corresponda talvez a sentimentos, a vícios ou a discussões superiormente interessantes.
Seguem até o fim com palavras circunstanciais e premeditadas, sem atentar para o fardo que contém cada sílaba. Pesam toneladas de Newtons, têm a espessura de uma montanha e esmagam os ombros do meu pensamento. Forcejam para criar uma atmosfera que seja capaz de petrificar a realidade porque a lucidez é grotesca. Mas a outra vida que os subjuga está lá, esplêndida! E residem todos dentro do cenário cinematográfico que construíram e das regras que convencionaram. Está tudo catalogado.
Se há momentos em que a consciência de mundo me causa um desespero insuportável, desvio o olhar, tento entrar às pressas na vidinha inventada da galera bacana, finjo que esqueço e sorrio. E essa criatura esfarrapada que me tornei tem de aturar as ideias, os gestos afetados, as mesuras, até quando estou só meu sorriso se torna idiota como os deles. Mas sempre não posso! Ano atrás de ano não posso!
Então eu, verdadeiramente eu, que tenho tanta alegria quanto os santos imóveis nos seus nichos, começo a perceber que é o hábito que me tem feito suportar os pequenos ridículos. E para não morrer de espanto, para não ficar A Só e A Doida é que invento palavras, porque, afinal, o que me vale são elas para poder ter ao que me agarrar.
Nessas horas estranhas em que me ponho a escrever não só a minha vida material, mas a minha própria vida moral, se ilumina por outra perspectiva. Sim, nessas horas sei mais de mim do que nunca soube. Percebo o mundo irreal em que tento viver, onde estão todos a representar, regulados por hábitos e regras seculares, simplesmente para fingir que são indiferentes ao que os rodeia, que estão habituados ao que os rodeia, que sorriem ao que os rodeia.
Fecho os olhos. A chuva cai interminavelmente do céu com preguiça, na luz turva vejo sempre Juiz de Fora com as mesmas figuras de museu sentadas nas mesmas salas. Vejo vir os abraços, as ações, as cortesias maníacas dos confins da humanidade. Isto é merda. É vulgar e cotidiano. É uma aparência. No entanto, apenas essa ninharia é capaz de deitar as raízes mais profundas do medo esmagador da solidão.
Esse mundo de fórmulas a que todos se sujeitam e que eu tenho tanta dificuldade em obedecer. Esse mundo...

3 comentários:

Pedro Nunes disse...

Não há o que complementar no que você escreveu, porque não se pode complementar uma afirmação que se baseia no vazio. Também não vou questionar, porque não me vejo em condições para tanto. O que me intrigou e levou a comentar, dessa vez - em ver de ler em silêncio, como das outras vezes - foi a ausência de acento na sua idéia, ali, na quarta linha do sexto parágrafo.

Foi de surpreender, mas não considere isto como juízo de valor, porque não é.

sarah disse...

é a porra do vestibular q tá me obrigando a escrever dessa maneira horrorosa e, obviamente, sem os acentos q eu tanto amo -/

Pedro Nunes disse...

É uma sacanagem que já estejam cobrando isso no vestibular, considerando que a nova ortografia só passa a ser obrigatória depois de 2012. Bando de pústulas! =/