segunda-feira, 3 de setembro de 2007

a droga da desobediência

Você é uma droga de pessoa, pode parecer ilógico, mas foi minha mãe quem me disse isso. Engraçada a forma como fui criada. Eu cresci em meio à brigas, discórdias e mentiras de uma família burguesa em decadência. O que esperavam que eu fosse me tornar? Eu realmente sou uma droga de pessoa. Não me lembro de ter feito mal a quem quer que fosse, senão a um pintinho que matei na fazenda do meu falecido avô quando criança, mas a penalidade me foi imposta seguidamente do assassinato: os gansos me perseguiram e bicaram meus glúteos, fato que fez com que eu criasse um pânico astronômico por tais aves. Tirando esse episódio memorável da minha infância e um relacionado à uma cretinice que fiz a um amigo, não há nada que me recorde de imediato, aliás, eu sempre fui meio boba, apanhava de uma prima mais nova, os mais velhos não compreendiam minhas tristezas dizendo que eu chorava feito ¨manteiga derretida¨ e, ainda assim, hodiernamente eu morreria por eles, mataria por eles, seqüestraria por eles, atropelaria por eles, a verdade é que eu faria qualquer coisa por eles.
O que importa é que eu só fiquei muito interessada na questão há minutos que antecedem a esse em que escrevo, porque eu quebrei uma jarra de suco de cristal polinésio e, provavelmente, serei severamente punida por tal delito, sem contar o fato de que eu terei de trabalhar em canaviais como bóia-fria durante, no mínimo, oitenta anos para pagá-la. Sendo assim, em meio a essa digressão para colocá-los a par da situação, resolvi procurar a definição da palavra ¨droga¨ segundo a nossa ilustre amiga Ruth Rocha, e assim o fiz. Lá estava a que mais se adequou ao contexto: “Coisa de pouco valor; bagatela; nada”. Bacana. Minha mãe afirmara que eu sou nada. Tudo bem. Já ouvi coisas piores que não convém relatar aqui, no entanto, a circunstância levou-me a uma retórica para examinar a procedência da minha insignificância enquanto Homo sapiens sapiens.
Eu sou uma droga de pessoa por vários motivos. Há alguns anos, uma conhecida dissera-me que o meu maior defeito era confiar demais nas pessoas, discordo. Meu maior defeito consiste em ser uma droga de pessoa. Minha mãe não me explicou bem o porquê, eu também não procurei saber, confesso: tive medo. Coisas assim, que as próprias mães nos falam, são de causar horror. Acreditei. Habitualmente é o que se faz, você acredita na sua mãe porque ela te ama e a recíproca nem sempre é na mesma intensidade, mas ela te ama mesmo que você seja uma droga de pessoa, como eu. O segundo motivo pelo qual eu sou uma droga de pessoa é por não ser mais uma estudante de Direito, largar a faculdade quase ocasionou a Terceira Guerra Mundial aqui em casa. Minha mãe nunca superou isso.
Outro motivo que me veio agora à cabeça é a droga da minha desobediência. Eu sempre fugi um pouco dos padrões, nunca aceitei submissão e sempre fiz a linha que ¨não leva desaforo pra casa¨, muito embora isso nunca tenha me rendido frutos doces. Se alguém me dizia para não correr de meia pela casa, eu corria, e foi assim que quebrei pela primeira vez o meu nariz. Se a minha consciência me dizia para ficar em casa em um sábado à noite, eu não ficava, e foi assim que sofri um acidente de carro. Sempre desobedeci e sempre me fodi. É aquela história estúpida de que se você acha que alguma coisa pode dar errado, dará! As Leis de Murphy foram determinantes em todas as circunstâncias da minha vida. Mais recentemente, o irmão de um amigo meu afirmara que eu não possuía ¨papas na língua¨ como se isso fosse uma tremenda virtude, mas eu nunca enxerguei vantagens práticas nesse mau-hábito. Eu sou uma droga de pessoa por isso e já perdi a conta de quanta gente tomou birra de mim por eu não conseguir me calar. Eu vivo falando por aí o que devo e o que não devo, enfim, portanto, oratória seletiva nunca foi o meu forte.
Partindo do pressuposto de que uma droga-de-pessoa mata pintinhos a pauladas na infância e de que esse comportamento é indício de póstuma crueldade, inescrupulosidade e frieza, então eu prefiro ser uma droga de pessoa e aceitar que esse seja o meu destino, embora eu possua uma convicção firme e indiscutível de que o ¨destino¨ seja uma bengala para os fracos. Parece-me que devido à esse destino, as pessoas tenham que ficar sentadas e ociosas esperando que os acontecimentos batam às suas portas. Eu tenho traçado o meu próprio destino – ou pelo menos tentado -, ele não me parece muito amistoso à princípio, talvez porque eu tenha investido pouco nele ou porque talvez eu tenha brincado durante um bom tempo com ele, não sei, mas sei que esse meu destino até agora não chegou e eu o odiei por isso. Eu me odiei por isso. Eu odiei a minha vida por isso. Às vezes eu me recordo de quando eu era uma garotinha faceira que, na véspera de Natal, tentava de todas as formas me manter acordada para esperar o Papai Noel. Pois bem, destino e Papai Noel são a mesma crença idiota, e vejam se pode uma coisa dessas: eu ainda acredito em Papai Noel...!

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