quinta-feira, 13 de setembro de 2007

família que se alimenta unida...?

Estavam todos reunidos junto à mesa esperando que o relógio badalasse à meia-noite. Muitos parentes vindos de muitos lugares com o mesmo intuito: comer até explodir e depois esquecer de você a da sua existência insignificante. Como ocorre sempre que minha família resolve se juntar, preferi que todos tivessem ido para a puta que lhes havia parido ao invés de eu ter que me sujeitar a bancar a boa anfitriã que nunca fui. Eu olhava aquelas crianças vesgas e melequentas, correndo alucinadas feito vacas hiperativas depois de aberta a porteira, e já não me ocorria mais o fato de sermos “sangue do mesmo sangue”, simplesmente porque meu orgulho não me deixava aceitar isso e, então, tive vontade de enforcar cada uma delas.
Lá pelas tantas e, como de costume, o ancião, com suas setenta e poucas primaveras, fazia a prece habitual que precedia a ceia. Era praticamente incompreensível devido à dentadura, ele dizia algo à respeito da Igreja Católica Conservadora de Direita, do esquerdismo e liberalismo político, da abertura econômica do mercado chinês e da morte da minha avó, relação que até hoje não compreendi. Enquanto ele falava, falava, falava, eu pensava cá, com meus humildes botões, em como os homens do Velho Oeste fechavam os saloons e em como deveriam ser os filhotes de pombo que eu nunca vi, demonstrando total desinteresse naquela ladainha.
Pra mim, as comemorações festivas de final de ano são um pretexto para encher a cara mais do que em qualquer outra ocasião e ter uma justificativa no mínimo plausível para as cagadas decorrentes de toda boa festa da “Família Barraco”.
À aquela altura eu estava absurdamente irritada e, não bastando, todos absurdamente fingidos e esfomeados olhando o pernil esgoelar para ser devorado como se tivéssemos voltado de uma guerra, sentada ali esbanjando desleixo, descaso e apatia, sem qualquer indício de que eu nascera em berço de ouro.
Então, após comer feito um padre obeso e fétido, com aquela batina repugnante que exala pedofilia, até o meu ânus fazer um bico de causar inveja em qualquer criança pirracenta, me levantei com a barriga pesando para baixo, flatulenta e implorando para ter um refluxo, uma reviravolta intestinal para expurgar meus dejetos, desci o lance de escadas, com alguma dificuldade, me dirigi ao meu quarto, sentindo que toda a minha existência não passava de uma excursão longa e confusa, e que, ainda assim, eu era estúpida o suficiente para persistir naquela janela. Contudo, conter-me-ei à cerveja. Embriaguemo-nos!